A pandemia de Covid-19 fez com que 2020 se tornasse um ano de muitas mudanças para as cidades brasileiras. Obrigadas a ficarem mais tempo em casa, as pessoas tiveram que se adaptar a uma nova realidade, revendo as formas como trabalham, estudam, se divertem e fazem outras atividades.
Aperte o play abaixo para escutar todo o artigo:
Agora, há a expectativa de que as vacinas para combater a Covid-19 comecem a fazer efeito e consigam frear a pandemia. Isso, porém, não significará uma retomada imediata para uma vida exatamente igual à que levávamos antes.
A crise sanitária e o isolamento social foram verdadeiros marcos para uma mudança cultural e histórica em todo o mundo. Alguns historiadores renomados, como Lilia Schwarcz, afirmam que a pandemia foi o fenômeno que marcou a real transição do século XX para o XXI.
Isso porque, apesar de já estarmos há alguns anos no século XXI, os nossos hábitos ainda não eram muito diferentes dos adotados antes de 2001. Agora é que as mudanças realmente acontecem, o que inclui as novidades que devem surgir em cidades brasileiras.
Conversamos sobre esse assunto com Celso Rayol, presidente da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura do Rio de Janeiro (AsBEA-RJ), que compartilhou conosco a sua visão sobre o cenário das cidades brasileiras no pós-pandemia. Acompanhe os principais pontos da conversa a seguir!
Principais problemas urbanos evidenciados pela pandemia nas cidades brasileiras
Para Celso Rayol, o transporte e a infraestrutura urbana foram os principais problemas evidenciados pela pandemia nas cidades brasileiras.
Observou-se, por exemplo, que muitas pessoas precisam usar o transporte público para se locomoverem de um local para outro e que não há linhas suficientes de ônibus, trens e metrôs para atender a toda essa demanda.
Rayol também aponta que se percebeu até mesmo a necessidade de rever alguns detalhes da infraestrutura urbana, como os projetos de calçadas.
Ele explicou que muitos desses espaços para circulação de pedestres nas ruas são estreitos e não possibilitam que se mantenha o distanciamento necessário para evitar a contaminação pelo novo coronavírus, por exemplo.
O presidente da AsBEA-RJ lembra uma declaração do renomado arquiteto Norman Foster, que explica que a pandemia serviu para que pudéssemos nos antecipar para outros momentos de crise.
Ou seja, ainda não sabemos com certeza se não haverá outras ondas de contaminações pela Covid-19, tampouco se outro vírus não surgirá no futuro. A situação atípica que vivemos serviu como aprendizado e mudou a forma como as cidades brasileiras devem ser pensadas.
Soluções para os problemas das cidades brasileiras no pós-pandemia
Reconhecer os problemas causados e evidenciados pela pandemia é importante para que as melhores soluções sejam pensadas no futuro.
Nesse sentido, Celso Rayol apontou algumas alternativas para as cidades brasileiras, em diferentes áreas, no pós-pandemia. Veja a seguir.
Mudanças na infraestrutura
Rayol comenta que algo similar ao momento atual aconteceu em 2007, quando o governo federal deu início ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro.
Antes do PAC, a Rocinha tinha ruas onde era muito comum a contaminação por tuberculose, por conta da falta de ventilação adequada. Foi necessário repensar a infraestrutura dos espaços públicos para evitar que isso acontecesse e a população local tivesse mais qualidade de vida.
Na pandemia da Covid-19, algo similar foi visto nas grandes cidades brasileiras. A desigualdade social foi evidenciada, já que as pessoas com mais posses puderam cumprir uma quarentena em casas ou apartamentos confortáveis, amplos e ventilados.
Em contrapartida, a população mais carente ficou confinada em espaços apertados, até mesmo sem a possibilidade de ter um local isolado para um possível familiar contaminado com o novo coronavírus.
As principais soluções que os governantes devem pensar para os próximos anos, portanto, têm a ver com infraestrutura, programas para a redução da desigualdade, ganho de renda e outras atividades que garantam uma qualidade de vida mínima para a população.
Reformulação dos sistemas de transporte público
Sobre o transporte público nos grandes centros urbanos brasileiros, Rayol é enfático: "as cidades jogaram a pobreza para fora de seus limites e isso acabou não gerando densidade suficiente para os transportes".
Ele explica que a qualidade do transporte público, que já era ruim, piorou na pandemia. Exemplo disso pode ser visto na redução de linhas, uma política que foi adotada em muitas cidades brasileiras.
O problema é que, com a gradual volta das atividades, nem todas as linhas de ônibus e outros meios de transporte foram retomados. O resultado foram grandes aglomerações nas paradas e veículos lotados, colocando os usuários em risco.
Para o presidente da AsBEA-RJ, é preciso que população, universidades, pesquisadores e entidades de classe, entre outros membros da sociedade, unam forças e participem de debates em planos diretores.
Assim, os governantes poderão ser cobrados para que as melhorias, de fato, sejam realizadas nesse sentido.
Saneamento básico
No que se refere ao futuro do saneamento básico nas cidades brasileiras, Rayol acredita que um dos principais pontos a serem seguidos é a manutenção da qualidade da água, tendo em vista que isso é essencial para que as pessoas possam manter bons hábitos de higiene.
Além disso, novos conjuntos habitacionais e residências devem ser pensados e projetados com determinado distanciamento entre uma edificação e outra. Esse é um aspecto que já é bastante discutido e que, com o empoderamento da crítica e o maior acesso à informação, deve ser cobrado pelos cidadãos.
Preservação do meio ambiente e sustentabilidade
Para Rayol, a pandemia acelerou um processo de migração de pessoas dos grandes centros urbanos para outras áreas, como as cidades do interior e litorâneas. Ele comenta que nunca se viu uma ocupação tão grande das casas de férias como no período atual, por exemplo.
Essa é uma realidade que já estava prevista para um futuro próximo, tendo em vista que as capitais e os grandes centros estão "em colapso". Porém, é preciso que se pense em formas para que as migrações não acarretem desmatamento do meio ambiente e queda da sustentabilidade encontrada nesses locais.
Com o uso da tecnologia, os prefeitos e demais governantes poderão monitorar as migrações e o crescimento dos bairros, tendo uma base de dados para tomar as melhores decisões.
A ideia é que as atividades sejam realizadas a partir de números e informações confiáveis, não achismos, como se fazia até pouco tempo.
A cultura do anywhere office e a dinâmica das cidades
"A gente quebrou o bloqueio de ter um home office. Não é mais uma vergonha contar com um escritório improvisado em casa", diz Celso Rayol. Essa foi uma das principais mudanças trazidas pela pandemia, quando as pessoas se viram obrigadas a trabalhar em suas residências.
Ganha força nas cidades brasileiras a cultura do anywhere office, na qual as atividades de trabalho não precisam ser realizadas necessariamente na sede da empresa, mas também nas casas dos colaboradores, em coworkings, cafeterias etc.
As ferramentas de computação na nuvem e comunicação instantânea contribuem para que o trabalho seja feito a distância. Nesse sentido, Rayol explica que a arquitetura se reinventa, com novidades sendo implementadas em projetos residenciais.
Ele contou que já são desenvolvidos condomínios residenciais com espaços de coworking, para que os moradores possam trabalhar.
Também são criados projetos com salas de trabalho em cada andar nos prédios, para que as pessoas possam ficar mais à vontade para fazer uma live ou uma ligação com mais privacidade, por exemplo.
A transformação nas atividades de lazer e turismo nas cidades brasileiras
No que se refere ao lazer e ao turismo nas cidades brasileiras, Celso Rayol comenta que as pessoas estão ansiosas para poderem voltar a ocupar espaços públicos e a viajar.
Para ele, um dos principais impactos que a pandemia trouxe foi a percepção da necessidade de que temos de interagir e aproveitar os momentos bons da vida com os nossos amigos e familiares.
De tal maneira, o especialista acredita que se deve pensar no vazio das cidades com tecnologia e sensatez. O ideal é que os espaços públicos sejam divididos para que várias apropriações culturais se desenvolvam, como exposições, apresentações artísticas com música e dança etc.
No entanto, não se pode deixar de lado espaços que não tenham uma utilização específica, como um parque para que as pessoas possam tomar um sol ou fazer um piquenique.
Pensar sobre o futuro das cidades brasileiras é importante. E você, como arquiteto e urbanista, tem um papel importante nisso tudo. Esperamos que este conteúdo tenha trazido bons insights.
O interior das residências também passou por modificações. Veja mais em nosso artigo que fala sobre os objetos como habitantes da casa.