É uma característica da zona sul da capital gaúcha a existência de ruas que terminam no Guaíba (há quem defenda que é lago, não rio, mas isso não importa), gerando espaços urbanos residuais. Abandonados e sem equipamentos de qualidade, eram apenas acessos à faixa de areia, mas, revitalizados, os Portais estão ganhando nomes e personalidade, “criados com a intenção de mudar a forma como a população se relaciona com o rio”, conforme o arquiteto Ivo Kieling, o K do escritório KS Arquitetos. A empresa, com sedes em Porto Alegre (RS) e na Praia do Rosa (SC), já tem um projeto de Portal executado, o Portal Dona Irena, e mais propostas estão prontas para dar andamento à ideia de banir os espaços degradados que conectam o asfalto à areia. Porém, a pandemia interrompeu o cronograma de realização das obras, como ocorreu com muitos outros projetos neste fatídico ano de 2020.
– Acredito que vamos retomar a obra de mais um deles no próximo ano – ressalta Ivo Kieling.
Como muitas ações que fazem diferença no mundo, os portais surgiram na iniciativa privada do amor pela cidade e da força de suas memórias afetivas, uma combinação perfeita para configurar um projeto do bem. Um grupo de jovens empresários da Zona Sul se uniu para revitalizar esses espaços degradados e quase sem uso que começam onde as vias que levam até o Guaíba terminam. São como se fossem um destino preparatório, intermediário, antes de chegar na orla. Esses jovens propuseram um novo significado aos acessos à orla no bairro onde vivem e trabalham batizando pouco a pouco os Portais com nomes significativos.
Estreou a mudança como o primeiro dos espaços revitalizados o Portal Dona Irena, no final da Rua Dr. Armando Barbedo, que surgiu em 2018 da ideia de um empresário que passou a infância naquela via e hoje tem sua empresa ali, coincidentemente o CEP também do escritório KS Arquitetos. Dona Irena, já falecida, é a avó do proprietário e gestor da Prontosul Centro Médico, Hassann Akmed, homenageada com este gesto do neto que abraça a causa da cidade, fazendo a sua parte. Naturalmente foi no mundo pré-pandemia que a comunidade desfrutou o primeiro dos acessos ao Guaíba na Zona Sul a sair do esquecimento e voltar a ter vida. Essa conexão com a natureza uniu muitas pessoas em eventos de gastronomia e moda e acolheu shows de músicos gaúchos no Dona Irena. Claro, tudo isso fomentou a economia da região, um tipo de ação que a pandemia mostrou ser fundamental para manter vivos os pequenos negócios.
O papel do Portal Dona Irena também oferece a possibilidade de contemplação e refúgio no bairro vizinho da praia não mais aproveitada como destino de veraneio e que tem características particulares desde a arquitetura, com a presença de muitas casas, principalmente perto da orla, e das sedes de clubes náuticos. Em escala acolhedora, o espaço convida os frequentadores a apreciar a paisagem e a relaxar entre as árvores, a poucos metros da água. Dona Irena aprovaria o ambiente para sentar e deixar o tempo passar.
O projeto da KS Arquitetos para os 250 metros quadrados organizou as atividades propostas à área para curtir antes de acessar a pequena faixa de areia: previu espaços de estar, equipamentos de ginástica e alongamento e uma arquibancada à beira do rio. Esse detalhe é a solução ideal para contemplar o famoso pôr do sol do Guaíba, um dos cartões postais da Capital.
– A escolha da materialidade se deu pelo baixo custo, facilidade na execução, pouca manutenção e durabilidade – diz Ivo.
Cada elemento tem associadas funcionalidade e estética, desde o desenho do piso de concreto, com linguagem geométrica, executado de forma a facilitar o escoamento da água em momentos de cheia do rio.
– A arquibancada é de pedra ferro, muito presente nas contenções das edificações que margeiam o Guaíba, os bancos são de concreto moldado in loco e os outros equipamentos, executados em aço galvanizado – conta o arquiteto.
Não faltou um toque de arte. Marcelo Pax deixou a sua marca nos muros laterais do espaço, com uma obra de street art em paleta de cores que se mimetizam com os tons da natureza. Esse resultado, de 2018, associado à iniciativa dos jovens empresários patrocinadores, que iria ser ampliada para outros portais neste 2020, tornou-se um exemplo e uma referência de espaço urbano revitalizado em Porto Alegre.
Passear até a Zona Sul e buscar pontos de contemplação do Guaíba é um dos programas dos porto-alegrenses de várias gerações aos finais de semana. Esse hábito é, digamos, mais contemporâneo do que a vocação para balneário dos bairros da orla de Porto Alegre, uma região que conta ainda com montanhas e arroios. Inicialmente, havia chácaras e chalés de veraneio, antes de começarem a surgir os condomínios horizontais e verticais na Zona Sul. Hoje ainda são encontradas algumas edificações remanescentes da época em que a cidade desfrutava da praia de água doce, o que transforma os passeios àquela região uma descoberta do passado da Capital.
Valorizar a história e os espaços públicos de convívio cabe a todos que se importam com sua cidade na dimensão que consigam estender a mão. Isso vale para todos os cidadãos de todas as metrópoles no intuito de preservar suas referências e memórias como for possível. Esperemos que outras empresas adotem os portais que ainda inspiram cuidados (cadastrados pela Prefeitura Municipal, há oito portais), para serem desfrutados pela população. Os próximos três já têm projetos da KS à espera de execução, para ganharam nomes e serem grafados com P maiúsculo.