Arquitetura hospitalar: como a China constrói unidades de saúde em poucos dias
No final de 2019, fomos surpreendidos com o surgimento de uma nova doença na China: a Covid-19. Em menos de três meses, quase 79 mil casos foram encontrados apenas no país continental (que exclui Hong Kong e Macau) e 2,7 mil mortes foram registradas. E o que poderia ser um problema de calamidade para o sistema de saúde, na verdade, mostrou ao mundo a surpreendente arquitetura hospitalar chinesa.
Não pode ler agora? Ouça a matéria clicando no player:
A cidade de Wuhan, no início do epicentro da epidemia, construiu um novo hospital em apenas 10 dias. Em 23 de janeiro, começaram as escavações; no dia 2 de fevereiro, o prédio de 25 mil m² e dois andares já estava pronto para ser inaugurado. Mas como é possível construir um centro de saúde com tanta rapidez? Quais são os segredos da arquitetura hospitalar chinesa? É o que vamos descobrir neste artigo.
Histórico
Construído entre 23 de janeiro e 2 de fevereiro de 2020, o hospital de Huoshenshan, também chamado de Wuhan Volcan (Fire God Mountain ou montanha do deus fogo), foi erguido para isolar apenas pacientes infectados pelo Coronavírus.
Sua arquitetura se baseia no Hospital Xiaotangshan, criado em Pequim, em 2003, para ajudar no combate ao vírus da síndrome respiratória aguda grave (Sars). Ele foi abandonado aos poucos, mas também está sendo reformado e reativado para dar conta dos pacientes infectados pelo vírus.
Esse tipo de construção funciona como um hospital temporário ou de campanha, onde pessoas com doenças infecciosas possam ter acesso a equipamentos de segurança e proteção.
Outro hospital, seguindo o mesmo modelo, foi inaugurado no dia 8 de fevereiro de 2020. O Leishenshan conta com 30 mil m² e 1600 leitos.
Além desses, 11 hospitais temporários foram construídos em Wuhan em apenas 12 dias. Essas novas unidades se somam às outras três finalizadas pelo governo chinês, com capacidade total para 3,4 mil pacientes.
Arquitetura hospitalar
Embora a rapidez na construção dos hospitais possa parecer surpreendente para os ocidentais, ela não é nenhuma novidade na China, muito menos uma inovação tecnológica futurista. O Xiaotangshan, de 2003, foi construído em apenas sete dias. De fato, o país é conhecido por suas construções megalomaníacas, mas pouco rentáveis.
Situado a cerca de 25 km da zona metropolitana, em uma área de 34 mil m², o novo Huoshenshan tem dois andares, mil leitos disponíveis e uma equipe médica de 1400 militares para os pacientes infectados pelo coronavírus. Tanto a arquitetura hospitalar atual quanto a do primeiro, de 2003, reproduziram a técnica norte-americana de construção.
Para cumprir os prazos, o governo chinês solicitou a quatro empresas de construção que trabalhassem durante o Ano Novo Chinês — que, em 2020, aconteceu no dia 25 de janeiro. Dezenas de guindastes e milhares de profissionais trabalharam 24 horas para colocar os edifícios em pé. Os operários tiveram o pagamento triplicado: US$ 173 por dia.
Outro detalhe é a facilidade que os chineses têm de reproduzir e otimizar técnicas. O sistema de construção, com estruturas metálicas unidas por parafusos, é o mesmo de um escritório europeu.
Como os módulos (fachadas e blocos internos) vêm completamente montados e as estruturas metálicas são pré-fabricadas, é possível erguer um andar por dia. Os chineses não colocam tijolo por tijolo, pois as placas planas se encaixam. Portanto, fazem apenas uma montagem, como numa produção fabril — o que não diminui o êxito e o incansável trabalho para cuidar das vítimas do surto.
Enquanto isso, dezenas de tratores nivelam o solo para receber os blocos pré-fabricados.
Rapidez oriental
A forma de produção e montagem da atual arquitetura hospitalar chinesa lembra a de hospitais de campanha, pequenas ou mini unidades médicas móveis que cuidam temporariamente das vítimas de uma região antes que possam ser transportadas com segurança para instalações permanentes.
No entanto, algo como visto na China não é encontrado em nenhum outro lugar no mundo. E, ao contrário do que possa parecer, as medidas do governo chinês são necessárias: por ser o epicentro do surto, Wuhan necessitava de estruturas mais robustas, como os hospitais pré-moldados.
Se observarmos bem, não são os chineses que são rápidos — os outros países que são lentos. Em entrevista ao jornal espanhol El País, Ginés Garrido, cofundador da empresa Burgos & Garrido, vencedora do projeto de reforma do hospital de La Paz, a arquitetura hospitalar é um processo que dura de seis a sete anos, se não mais:
- primeiramente, é necessário fazer um levantamento sobre os recursos disponíveis nos hospitais próximos, para não duplicar os serviços, o que pode levar um ano;
- depois, vem o planejamento da obra, que demora, em média, dois anos;
- a partir do planejamento, é preciso escolher o escritório responsável pela obra, o que pode levar mais um ano e meio de procura;
- a fase de execução da obra demora de três a quatro anos.
Transparência e orgulho
Como uma forma de mostrar que cumpriria sua palavra, o governo chinês também surpreendeu ao permitir que a população acompanhasse o andamento da obra.
A televisão estatal transmitiu em tempo real o avanço da construção no canteiro de obras — mais de 40 milhões de pessoas assistiram ao vivo. Também era possível acompanhar pelo YouTube.
A música de fundo, típica em muitos vídeos de propaganda estatal chinesa, sugere que as autoridades têm orgulho do progresso que estão fazendo.
Como vimos, mais do que tecnologia, a China se destaca por sua otimização nas obras e pelo comprometimento em cumprir prazos. Em condições normais — ou seja, fora de surtos e epidemias —, a maior preocupação da arquitetura hospitalar não deve ser a rapidez na entrega, e sim a funcionalidade para enfermos e profissionais. Entenda como isso influencia a saúde e o bem-estar do paciente.
Destaque: Em casos de surto, a arquitetura hospitalar chinesa prioriza a montagem por módulos (Foto: Xinhua.net/Xiao Yijiu)