Uma analogia entre gerar um ambiente elegante e fluido para uma high fashion store, mas com uma desejável personalidade, seria a regência de uma orquestra voltada para fazer brilhar o solista. Esse foi o desafio das arquitetas Marion Feldmann e Julia Feldmann Graeff, respectivamente mãe e filha com escritório em Porto Alegre que trabalham juntas: “a palavra-chave é complementação”, conforme Julia. Para obter esse resultado no interior do sobrado, onde os materiais do espaço contracenam com as coleções, as duas especificaram para todo o piso um produto que “remete à sofisticação do mármore com a resistência do porcelanato”, o Portobello Bianco Covelano 60x120cm natural retificado.
– O conceito era um plano de fundo neutro, elegante, com o foco nas peças de roupas criadas pela estilista. A cor fica por conta das coleções e o dinamismo das estampas. A fachada tinha que ser impactante na medida certa, uma “maison”, porque a marca começa a se comunicar pela fachada. Quando se tem uma fachada especialmente desenvolvida, automaticamente se cria uma expectativa elevada ao adentrar na loja, faz-se um convite para conhecer o interior. E, ao entrar, não podíamos decepcionar. O revestimento escolhido veio com este objetivo e esta responsabilidade – ressalta Julia, ao ensinar que tudo deve estar alinhado com os valores da marca, daí a importância das escolhas de cada material entre a gama de produtos desenvolvidos para projetos comerciais desde os quesitos de resistência e manutenção até o visual pretendido.
O projeto resultou em uma atualização completa dos cerca de 400 metros quadrados do imóvel preexistente com ponto de venda, estoque, expedição, administração e área de convívio externa arborizada, com espaço para realização de eventos que aliam arquitetura, moda, paisagismo, literatura e psicanálise. Para sentir as necessidades funcionais e captar a essência da marca, a dupla de arquitetas fez várias visitas à fábrica para conseguir traduzir tudo no projeto. “Vivendo o cliente, as diretrizes de projetos automaticamente foram se esclarecendo: valores humanos, senso de humor, criatividade, ousadia, identidade e conexão verdadeira”, conforme a jovem arquiteta. No entanto, não era preciso muitas visitas ao local para sentir o potencial do espaço, que havia sido sede do escritório de arquitetura durante mais de 20 anos, “daí a importância deste projeto para nosso escritório”, destaca Julia.
Moda é arquitetura
No universo da inspiração para o projeto, ao percorrer a alta moda no mundo, o resultado foi a procura por “valorizar o feito à mão, a alfaiataria, o refinamento sutil, a pessoalização, a diferenciação e o link com a arte e a criatividade”. Faz parte do processo inspiracional e de atualização da dupla estar constantemente se abastecendo de referências visuais, participando de atividades culturais e fazendo viagens. A dupla admira o arquiteto Frank Lloyd Wright e chegou a conhecer suas obras e o ateliê em Chicago que “já foi algo incrível, mas a experiência mais transcendental foi a ida à Casa da Cascata (The Falling Water House) na Pennsylvania: a materialização das emoções em forma de arquitetura”, lembra.
– Tudo que nos encanta gera inspiração. Vamos nos apropriar de uma frase da Coco Chanel para fazer uma analogia com a forma de nos inspirarmos: “moda é algo que não existe somente nas roupas. A moda está no ar, nas ruas. Moda tem a ver com ideias, com a maneira que vivemos. Moda é o que está acontecendo”. O mesmo vale para arquitetura – analisa Julia.
Aprofundando mais a comparação entre as duas áreas, a arquiteta tira partido da genialidade de Chanel para criar e se expressar ao comentar sobre a experiência da atualização da casa entregue para ser transformada em “maison”:
– Como diz Coco Chanel novamente, “moda é arquitetura: é uma questão de proporções”. Esta cliente em especial nos proporcionou uma interação muito prazerosa e de constante troca nas questões de proporção, nuances de cores, criação de cantos e recantos. Angela Xavier produz toda sua roupa, desde a concepção, da modelagem, da escolha dos tecidos, aviamentos e do acompanhamento de toda a produção na fábrica – conta Julia, ao falar sobre o estilo deste projeto e das high fashion stories.
Ao resumir as principais soluções, a arquiteta enumera: “iluminação adequada, com provadores bem dimensionados, recantos de estar, categorização das peças, núcleos de looks, foco na experiência de compra e nas sensações porque, além de ficar bonito, o projeto executado tem que transmitir sensação de bem estar e a identidade da marca”. Julia diz que o “vasto estudo das marcas internacionais remeteram ao preto e branco”, marcante na apresentação da marca na fachada do sobrado.
A arquitetura da “casa metade”
Criado por Marion Feldmann há 30 anos, época em que o mercado do mobiliário e do décor crescia em Porto Alegre, junto com a procura pelos serviços de arquitetura, o escritório começou a operar com foco no mercado residencial. O crescimento orgânico se deu a partir dessas boas experiências iniciais. Os espaços dos negócios dos primeiros clientes – escritórios, consultórios, lojas e outras empresas – passaram a ser confiados ao escritório responsável pelo projeto da casa. Hoje os mercados residencial e corporativo/comercial caminham juntos.
Muito interessante é a forma organizada de operar do escritório, “uma tradição”, com o número de clientes ativo definido, conforme detalha a arquiteta Julia, que entrou para o escritório em 2008:
– O tamanho do escritório é o tamanho dos 10 turnos que compõem a semana: cada cliente ocupa um turno fixo, tem horário fixo semanal conosco durante todo o trabalho. A concepção do projeto é feita a quatro mãos, com a participação do cliente do início ao fim.
Apesar de ser Julia quem tem diploma de Psicologia, além de Arquitetura, a arquiteta Marion também tem uma visão muito afetiva da sua relação com os clientes. Por muito tempo, conforme Julia, mãe e filha denominaram o escritório de “casa metade”, metade gente, metade casa.
– Coloco nos trabalhos o que é mais precioso para mim, as pessoas e suas diferenças. Primeiro descubro as pessoas para depois traduzi-las nos seus ambientes. Não tem obra de arte mais valiosa nas casas do que as pessoas. Costumo ouvir muito os clientes nos primeiros contatos. Quando estabelecido o entendimento mútuo, faço com que eles se sintam fazendo os projetos. A metodologia é fazer arquitetura direcionada às pessoas e com sensibilidade colocar as coisas nos lugares certos, com criatividade, praticidade e humor. Ser prático é sugestão para ser criativo. Para cada cliente, crio um enredo próprio, uma parceria original. Cada projeto parece o primeiro, no prazer de criar e na emoção que me proporciona. Sinto que os desenhos que risco representam as pessoas. Diferentes clientes. Diferentes insights. Não tenho um estilo preferido, mas vários. Meu escritório foi criado com o intuito de dar uma impressão profunda das pessoas, de um ateliê de criação, um espaço cênico, empresarial e criativo, com um cenário de estar à vontade para pensar – conclui Marion.
Estilo provém até das sedes do escritório que, nos anos 1990, operou em uma casa tombada de autoria do arquiteto Theo Wiederspahn. “Neste cenário, o escritório se consolidou e os projetos executados com êxito abrem portas para novos clientes e novos desafios – indicações dos nossos clientes são nossa maior estratégia de marketing”, conforme Julia, que lembra a sede seguinte do escritório ter sido justamente este imóvel onde hoje é a loja Angela Xavier. A entrada de Julia Feldmann, hoje Graeff, no Marion Feldmann Arquitetura marcou também a mudança da empresa para um edifício comercial, no Bairro Moinhos de Vento, endereço atual.
Julia, arquiteta e psicóloga, diz que o escritório vem há décadas apostando na interface entre arquitetura e emoções. Com base na neuroarquitetura, que estuda a influência causada pelos ambientes em nossas emoções e na nossa qualidade de vida, afirma que “as edificações têm um impacto em como as pessoas se sentem, se comportam e interagem; em última instância, o belo induz o bem.” A jovem arquiteta aborda uma questão obrigatória neste momento, relacionando os efeitos da quarentena com a nossa percepção da casa, do home office, vivência que tornou mais agudo esse impacto: “As pessoas estão valorizando seus lares de forma não antes vivida. Esta é a grandeza do nosso desafio como arquitetos”, resume a arquiteta.