No mês de março, o Beiral completou seis anos de história. Celebramos observando o passado e quem preparou o terreno que hoje nós trilhamos e, ao mesmo tempo, olhamos para o futuro, para o quem vem por aí.
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Por hoje não temos a intenção de contar histórias tristes, não nos resumimos a isso. Queremos comemorar tudo o que vivemos até aqui. O texto de agora é um respiro.
Que você possa visitá-lo sempre que precisar se fortalecer! Quem dera tivéssemos recebido uma carta como essa.
Querida arquiteta negra, esse texto é todo pra você.
Nós nos conhecemos em 2010, quando ingressamos no curso de Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Uberlândia e, embora essa amizade possa parecer uma feliz coincidência, sabemos que seria inevitável. Em um curso elitista, com a maioria dos seus alunos brancos, era evidente que estaríamos lado a lado para nos acolhermos.
E tem sido assim desde então!
De lá pra cá, a Universidade mudou. No ano passado, por exemplo, completaram-se 10 anos da implementação da política de ações afirmativas que, além das vagas para alunos oriundos de escolas públicas e/ou de baixa renda, também destina lugares a pretos, pardos e indígenas. Um verdadeiro alento para quem, até aqui, tinha apenas uma a outra e uns pouquíssimos colegas negros e, em alguns períodos, nenhum.
Se, por vezes, a sensação de solidão e não pertencimento nos invade, sendo duas numa multidão, frequentemente a gente se pergunta: “como seria se fosse só uma?”.
E é então que a gente revisita a potência de sermos uma dupla.
Dias desses lemos em um grupo de WhatsApp, mais especificamente o grupo de Arquitetas Negras, a seguinte mensagem: “[...] não podemos estar todas juntas, mas sinto que quando estamos cada uma num canto disseminando o grupo, parece que estamos unidas. [...].” Nunca fez tanto sentido o termo Ubuntu “eu sou porque nós somos”, porque é justamente dessa maneira que nosso trabalho tem se firmado, na possibilidade de sermos nós, representando um todo muito maior.
Lá no início de 2018, quando fomos convidadas a participar do programa Missão Design, no GNT, recebemos a notícia das inscrições abertas e todas as informações necessárias para envio da candidatura através da Stephanie Ribeiro, também arquiteta.
Estávamos atuando há menos de um ano, com pouquíssima experiência, e a Tamires foi representando o Beiral. Essa aparição na TV nos conectou a estudantes, arquitetas e designers negras que assistiram o programa e se identificaram. Nossa primeira imersão na vida profissional, de fato.
Um spoiler do que estava por vir.
Essa rede foi crescendo aos pouquinhos, mas de maneira muito verdadeira, orgânica e consistente. Chegamos ao segundo semestre de 2018, quando tivemos o primeiro contato com o projeto Arquitetas Negras, da Gab de Matos:
“Você conhece alguma arquiteta negra? Pois é. Essa é a pergunta que fizemos quando tivemos a ideia de lançar um mapeamento online no início deste ano. [...] O apagamento das arquitetas negras é fruto do racismo e machismo estrutural que vivemos na sociedade brasileira. Onde mulheres negras estão na base da pirâmide social por não terem a mesma oportunidade ou condições de trabalho do que homens e mulheres brancas. Foi pensando nisso tudo que decidimos lançar a Revista Arquitetas Negras vol. 1, a primeira revista com conteúdo pensado e produzido por arquitetas negras brasileiras. Nós arquitetas negras merecemos ter nossos trabalhos vistos e reconhecidos!”
Aberto o edital, nosso trabalho foi um dos selecionados. O projeto fez tanto sucesso que o que era pra ser uma revista virou um livro, que pôde ser impresso graças a um financiamento coletivo, onde toda a arrecadação custeou a produção de conteúdo, diagramação, impressão e distribuição.
Em agosto de 2019 o Beiral desembarcava, mais uma vez, em São Paulo. Agora para um momento inédito e histórico, o lançamento do livro Arquitetas Negras vol. 1. No nosso capítulo falamos sobre Práticas e desafios mercadológicos para quem está iniciando sua experiência profissional.
Mal sabíamos que quase dois anos depois, no final de 2020, receberíamos o convite para nossa primeira parceria com a Portobello: a transformação do Apartamento Partilhar para o lançamento da linha Gouache.
E, na sequência, o convite para integrarmos o time de colunistas do Archtrends. Uma parceria que já completa dois anos. Durante a pandemia, muitas das vezes, os artigos que escrevemos aqui foram momentos de desabafo, refúgio, calmaria em meio a correria de projetos e a incerteza do futuro.
Tem um provérbio africano que diz: "Se você quer ir rápido, vá sozinho. Se quiser ir longe, vá acompanhado”. Depois de todos esses anos e tantas experiências incríveis que tivemos, reconhecemos a importância de mulheres potentes que fizeram parte da nossa caminhada. Maria Ângela e Ivonete, nossas mães; Ana Carolina de Alcântara, nossa amiga, advogada e revisora de nossos artigos; Audrey Carolini, Gab de Matos, Lilian Santos, Marina Rosa, Stephanie Ribeiro, Thami Mendes, arquitetas e designers negras que dividem essa caminhada conosco.
Além de cada seguidora, arquiteta, designer ou estudante: mulheres negras que nos acompanham pela internet. Essa comunidade que criou raízes, laços, tem prosperado e se fortalecido. É ela que nos mantém até aqui.
Hoje somos três no Beiral, pois há poucas semanas recebemos a Ana Victória. Ana, esse texto também é pra você. Que a sua experiência profissional seja ainda mais feliz do que a nossa. Que os espaços estejam abertos a nos receber e que vire rotina encontrar referências negras no mercado de trabalho e na carreira acadêmica.
O aniversário é sempre um momento de balanço. Mais um ano passou, nos sentimos melhores do que antes, as inseguranças do começo vão ficando distantes e os desafios se atualizam. Estamos nos acostumando com o reconhecimento, o afeto, o cuidado e aprendendo a respeitar nossos limites também. Cada dia mais sabemos quem somos!
A sensação de “chegamos até aqui” esteve sempre presente, nós a cultivamos comemorando cada conquista por menor que ela fosse. Ainda temos muito para fazer, mas é sempre bom lembrar que já fizemos tanto, o suficiente, o bastante com o que tínhamos em mãos.
Se temos algo para dizer dessa nossa experiência é que o trabalho já é desafiador demais. Se cuide e cerque-se de pessoas que te apoiam. Não é nenhuma fórmula de sucesso profissional como vendem por aí, mas é um caminho para se manter sã.
Com carinho,
De duas arquitetas negras para várias outras.