Aporofobia: como isso se manifesta na arquitetura e no urbanismo?
Já ouviu falar em aporofobia? Este conceito chama cada vez mais atenção com o aumento da hostilidade contra as pessoas em situação de pobreza, algo que também se revela na arquitetura hostil.
Ao olhar para as tendências, como We Manifesto, apontada pelo Trend Book 2023 da Portobello, é possível perceber o quanto se posicionar e ser engajado em causas sociais se tornaram necessidades.
E a luta contra a aporofobia parece ser uma das prioridades. Vamos entender os motivos!
O que é aporofobia?
"Aporofobia" é um termo usado para se referir à aversão, ao desprezo ou repúdio às pessoas desfavorecidas, em situação de pobreza ou miséria.
"Aporo", do grego á-poros, significa "pobre" ou "sem recursos"; e "fobia", medo exagerado ou intolerância.
Assim, o termo entra para a lista de outros medos que acompanham a história da humanidade, como homofobia, aracnofobia e claustrofobia.
Essa fobia contra as pessoas pobres tem graves consequências e fomenta os debates sociais. Afinal, produz práticas e até políticas que desprezam os indivíduos por conta de sua condição socioeconômica.
Origem do conceito
A responsável pela criação do termo, nos anos 1990, foi a filósofa espanhola Adela Cortina, professora da Universidade de Valência e membro da Real Academia de Ciencias Morales y Políticas.
Mas foi em 2017 que a "aporofobia" ganhou o mundo, quando foi eleita a palavra do ano pela Fundación del Español Urgente (Fundéu BBVA). Então, passou a ser usada em diversos artigos, livros e outras publicações.
Até aí, palavras diferentes, como "racismo" e "xenofobia", eram usadas para descrever a aversão contra pessoas em situação de pobreza.
Porém, Cortina mostrou que era preciso classificar de outra maneira. Isso porque o ódio a imigrantes e refugiados, por exemplo, não se devia apenas ao fato de serem estrangeiros, mas da miséria.
De acordo com a filósofa, "é comum tratar bem quem pode nos fazer um favor ou dar algo em troca e abandonar aqueles que não podem nos oferecer nada disso".
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Como a aporofobia se manifesta na arquitetura e no urbanismo?
Aqui no Brasil, a palavra “aporofobia” começou a ser difundida recentemente, graças às denúncias do padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo da Rua, de São Paulo.
Mais do que simplesmente chamar atenção para a questão, ele fez protestos que viralizaram contra o preconceito expresso pela arquitetura nos espaços públicos da cidade.
Isso porque o que não faltam são exemplos de uso de grades, lanças, cacos de vidro, pedras pontiagudas e outros elementos para impedir que pessoas em situação de rua os ocupem.
Em uma das ocasiões de luta contra esse cenário, padre Júlio quebrou a marretadas blocos de paralelepípedos que tinham sido colocados embaixo de viadutos da capital paulista. E fez o mesmo em outros espaços da cidade.
É a chamada “arquitetura antipobre”.
Muitas vezes, essa hostilidade aparece camuflada pelo falso paisagismo. Ao andar pelos grandes centros urbanos, é fácil ver plantas e vasos pontiagudos em frente a prédios, restaurantes e outros estabelecimentos.
Tudo isso para dificultar a vida das pessoas que estão em situação de rua e precisam encontrar locais para se abrigar durante a noite.
Em Florianópolis, pontos de ônibus foram chamados de “anti-humanos” pelo padre Júlio Lancellotti por impedirem que uma pessoa se deite.
Essa luta deu origem ao projeto de lei “Padre Júlio Lancellotti”, ainda em tramitação, que proíbe o uso de técnicas de construção hostis.
O que parece é que a arquitetura hostil gerada pela aporofobia cresce à medida que a população de rua e a miséria aumentam no Brasil. Infelizmente, temos visto isso acontecer nos últimos anos.
Entretanto, vale ressaltar que a luta contra ela não significa que as pessoas devam morar embaixo de viadutos.
O que está em questão é a linguagem simbólica, que expulsa pessoas em situação de rua dos espaços públicos.
Por que combater a aporofobia é tão urgente?
Apesar do foco na arquitetura, a aporofobia se expressa também de outras maneiras.
Combatê-la significa buscar meios de oferecer proteção social para quem precisa. Isso inclui coisas básicas para a maioria das pessoas, como o acesso à água potável.
Infelizmente, o senso comum ainda associa a condição de pobreza a escolhas e decisões individuais. Ou seja, não a enxerga como um problema social estrutural.
Esse ódio de classe não é novidade na história da humanidade.
É algo gestado há muito tempo, assim como o racismo, o machismo, a homofobia e outros preconceitos. Todos fundados em uma estrutura social extremamente desigual.
Mas, pelo que as tendências indicam, estamos caminhando para um futuro de luta contra as injustiças sociais. Isso é cada vez mais urgente diante do cenário em que vivemos hoje.
Em 2015, nosso país infelizmente voltou a fazer parte do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU).
Segundo os dados do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil de 2022, mais de 33 milhões de pessoas não têm o que comer.
Portanto, mais do que ter consciência, todos precisam se engajar e defender a criação de políticas públicas voltadas à erradicação da pobreza.
Dessa forma, o que se espera é que todos nós possamos viver em um mundo sem aporofobia. E, claro, que toda a população tenha acesso aos direitos garantidos constitucionalmente.
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