Afrofuturismo: tecnologia e ancestralidade na arquitetura
Valorizar o passado e projetar o futuro. Assim pode ser resumido de forma bem simples o afrofuturismo. Um movimento que já existia antes mesmo de ter um nome propriamente dito e que, depois que ganhou um, conquistou ainda mais presença e adeptos no mundo. E, em uma expansão por diversas áreas, do cinema à música, o conceito também marca o seu espaço na arquitetura.
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É possível entender a cultura negra por meio de histórias e símbolos futuristas, que conversam até com outras dimensões e planetas distantes? Se você acha isso improvável, o afrofuturismo prova que dá. Ele mostra os usos e costumes de um povo e, além disso, o insere como protagonista de narrativas por caminhos nada convencionais.
Viaje a outros mundos para entender a ancestralidade e a posição do negro diante de séculos de história nas artes e ciências. Esse é o afrofuturismo — e neste artigo, você vai descobrir tudo sobre ele!
O que é o afrofuturismo?
Colocar à frente uma parcela da população que foi desprezada em inúmeras histórias. Mostrar as figuras-chave de uma etnia que é protagonista em diversos campos. Trazer o negro por meio de contos ficcionais.
Tudo isso e mais uma série de características formam o afrofuturismo, um movimento que alia a ancestralidade e a tecnologia.
Nas histórias em que o negro é o personagem principal, entra o autor negro, que também se posiciona na realidade como protagonista de sua história.
Consequentemente, surge a outra característica essencial que incorpora o afrofuturismo, que é a afrocentricidade.
Ou seja, é um movimento feito para dar lugar aos negros, que conta histórias de ficção futurista pela ótica deles.
Como o afrofuturismo surgiu?
O afrofuturismo não tem uma data fixa de surgimento, mas começou a dar as suas primeiras expressões de vida nos anos 1960, impulsionado pela cultura beatnik.
Esse movimento, conhecido por escritores como Allen Ginsberg e Jack Kerouac, também tinha um pé na cultura afro. Ou seja, era a premissa para dar forma ao que viria a seguir.
O pioneiro Sun Ra
O pioneiro do afrofuturismo foi o poeta, músico e autointitulado filósofo cósmico Sun Ra, um artista de múltiplos talentos, que deu a cara e o corpo do movimento.
O livro que deu o nome ao conceito
Contudo, mesmo com o expoente Sun Ra conhecido mundialmente, o movimento só ganhou esse nome em 1994.
A obra Black To The Future: ficção científica e cibercultura do século XX a serviço de uma apropriação imaginária da experiência e da identidade negra, do autor norte-americano Mark Dery, nomeou o até então conceito sem nome.
Porém, mesmo com o nome consolidado apenas em 1994, entre o poeta Sun Ra e o livro, muitos artistas e obras mantiveram o afrofuturismo em voga.
A expansão do movimento
Alguns dos personagens mais famosos dessa narrativa cósmica que permeia tanto a utopia quanto a distopia são:
- o DJ de hip-hop Afrika Bambaataa e o projeto Soulsonic Force;
- o grupo Funkadelic, do líder George Clinton;
- a cantora e atriz Grace Jones.
Com o tempo, ele ganhou ainda mais alma e expressão, pois agrupou também estilos como o soul e o funk. Além, é claro, de trazer a estética negra à moda, os traços arquitetônicos de construções ancestrais da África, as cores na pintura e muitos outros componentes de diversas áreas.
Quais são os principais traços do afrofuturismo?
Um conceito não é nada se ele não é carregado de símbolos e métodos. Assim, o afrofuturismo é recheado de expressões que denotam a ancestralidade mesclada à tecnologia.
Histórias de ficção científica
Essa é uma máxima do movimento, que permeia toda a estética por onde ele habita. Os roteiros que trazem narrativas do espaço e de outras civilizações, incluindo seres alienígenas, estão presentes no cinema, na literatura e em quadrinhos.
Roxo e azul
Esses tons dão o ritmo em que a estética afrofuturista deve seguir, remetendo sempre ao místico, ao inexplorado e ao espaço.
Metais
Blusas com chapas, óculos em metal exposto, personagens com armaduras de robôs e histórias com cidades em que a arquitetura é baseada em materiais tecnológicos. O metal está presente em 100% dos meios em que o afrofuturismo está.
Roupas étnicas
As vestimentas em tecidos de tons terrosos e texturas rústicas são marcas clássicas do afrofuturismo na moda, tanto para os artistas quanto para os personagens de quadrinhos, livros e filmes.
As roupas também mostram formatos e padrões das mais diversas culturas africanas. As cores e os estilos atuais dão a pitada de contemporaneidade às peças com cara ancestral.
Artigos ancestrais
Brincos que se parecem com chifres, colares de dentes, adornos feitos de ossos, peles naturais e outros itens com o mesmo teor marcam o afrofuturismo.
Cabelos descoloridos e em cortes ancestrais e futuristas
Dreadlocks, cortes quadrados ou mesmo o cabelo todo descolorido. O afrofuturismo é demonstrado literalmente na cabeça, não sendo uma tendência, mas sim uma marca registrada do movimento.
Quais são as referências do afrofuturismo em diversos campos?
O afrofuturismo está em diversas áreas. E cada uma delas tem os seus principais representantes. Literatura, moda, música, quadrinhos, cinema, pintura, games e, claro, arquitetura, tem os seus expoentes, que preservam e dão seus toques ao movimento.
Literatura
Octavia Butler
A romancista traz a cultura negra embalada no estilo afrofuturista em obras como A Parábola do Semeador, Sons de Fala e Ritos de Passagem.
Samuel Delany
O escritor norte-americano tem duas obras de cunho afrofuturista que são marcos do movimento. Estrela Imperial e Babel-17 são textos que narram, cada qual à sua maneira, histórias com negros como protagonistas.
Em Babel-17, por exemplo, o autor cria um enredo em que uma personagem mulher negra é uma poeta das cinco galáxias.
O seu objetivo na trama é decodificar sons emitidos por um governo inimigo para descobrir quais são os seus planos. No entanto, ela descobre algo mais inusitado por trás dessa missão.
Moda
Walé Oyejide
O estilista nigeriano é o diretor criativo da Ikiré Jones, marca criada para capturar a essência da cultura africana por meio de cores e formatos
Tássia Reis
À frente da empresa Xiu, Tássia Reis dissemina o estilo Brasil afora, valorizando a ancestralidade e trazendo muito pioneirismo negro ao setor.
Emicida
O rapper lidera a Lab Fantasma, que, além de gravadora independente focada no lançamento e trabalho de artistas negros, tem uma frente têxtil.
Roupas longas, trabalhadas na essência das cores e formas africanas, além de peças urbanas e industriais, são constantes da marca.
Música
Grace Jones
A cantora vai além da música e coloca à mostra no cinema e na moda a estética e o conceito afrofuturista, sendo uma pioneira no corte de cabelo quadrado. Um estilo que se popularizou pelo mundo todo.
Elza Soares
Essa representante icônica do samba e de outros estilos brasileiros, desde o seu disco A Mulher do Fim do Mundo, traz e reforça a cada dia o afrofuturismo.
A maquiagem em tons roxos, o figurino metálico e a estética de palco bastante futurista reafirmem o lugar da mulher negra nas artes.
BaianaSystem
O grupo faz uma mistura de afro-beat com reggae e rock, muito inspirado no clássico Nação Zumbi — outro representante do movimento.
Funkadelic e Parliament
As duas megabandas lideradas por George Clinton trazem um soul/funk embebido na estética afrofuturista. O movimento é especialmente observado no disco Mothership Connection, do Parliament, que traz as principais características do afrofuturismo nas artes e nas letras.
Quadrinhos
Fábio Kabral
O quadrinista e escritor brasileiro Fábio Kabral evoca o afrofuturismo em O Caçador Cibernético da Rua 13, a sua HQ.
Cinema
Spike Lee
O cineasta sempre aborda o papel do negro em suas obras. E, mesmo que não faça um filme embasado no movimento, por ser autor, diretor e produtor, reforça o papel do afrofuturismo, que é o de colocar o negro como protagonista.
Pantera Negra
O filme com o super-herói famoso da Marvel, estrelado pelo ator Chadwick Boseman, conta a história de Wakanda, terra liderada por Pantera Negra, que assume o trono e deve proteger o país contra ameaças de povos que querem o poder.
Pintura
Basquiat
Grafiteiro, artista plástico e pintor, Jean-Michel Basquiat elevou a cultura negra nos anos 1980 e virou um ícone das artes.
Por ter ganhado notoriedade em uma área dominada por brancos, Basquiat pode ser introduzido no conceito de afrofuturismo.
Games
Dandara — Long Hat House
O jogo brasileiro de ação prestigia a história de Dandara dos Palmares, que luta para proteger uma comunidade quilombola e deve resguardar o mundo do conflito de duas facções.
Arquitetura
La Pyramide
O edifício que mescla as construções egípcias com raízes de outros locais da África é um exemplar do afrofuturismo direto da fonte.
Escola Flutuante de Makoko
O projeto, que infelizmente teve uma vida curta, foi premiado com o Leão de Prata na Bienal de Veneza de 2016.
O arquiteto nigeriano Kunlé Adeyemi foi o responsável por colocar em evidência a cultura africana simbolizada na obra.
Casa do 1º Presidente da Angola
Gigantesco, o local une a arquitetura brutalista ao afrofuturismo, com uma enorme torre estampada pelo símbolo da foice e do martelo socialista.
O motivo da representação é que o então presidente, Agostinho Neto, ajudou na guerra que tornou Angola, Guiné-Bissau e Moçambique independentes de Portugal.
Monument des Martyrs
Com cara de "disco voador", o Monument des Martyrs fica em Ouagadougou, capital de Burkina Faso.
O monumento foi criado para homenagear as pessoas que perderam as suas vidas em combates nas revoluções pelas quais o país passou.
Cores terrosas, estilo bem-acabado e design robusto são marcas dessa peça que parece querer fazer contato com seres de outros planetas.
Suprema Corte do Egito
Em escala monumental, simbolizando os maiores templos faraônicos, o edifício da Suprema Corte do Egito conecta o melhor do legado arquitetônico deixado pelos egípcios antigos à atualidade.
Cor de areia do deserto, colunas imensas e jardins projetados para fazer par e conferir o toque sustentável ao entorno do edifício são algumas das marcas do projeto.
Conservar, evidenciar e disseminar mirando sempre o protagonismo, seja em qual âmbito for. Essa é a síntese de algumas das premissas do afrofuturismo, que é uma ponte que liga passado e futuro, brindando o presente com ancestralidade e tecnologia.
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Foto de destaque: Christian Benimana é um dos novos expoentes do afrofuturismo na arquitetura, liderando o escritório Rwanda Office of Mass Design Group, com projetos do tipo (Foto: Deezen)
Uma feliz abordagem do afrofuturismo, enquanto tendência e projeto de vida de muitos artistas, criadores, influenciadores, etc. criada por africanos e afrodescendentes pelo mundo afora e em alta no Brasil. A literatura com Lu Ain-Zaila (primeiros frutos em forma de romances), Octavia Butler (maturidade do estilo e do viés futurista) a percussão, a arquitetura, a moda, os pontos altos da cultura hip hop, a alta tecnologia associada a uma dimensão ancestral e futurista do CORPO HUMANO, estão aí reverberando, finalmente, o desejo de ser presente hoje, com foco no futuro dos afrodescendentes. Parabéns pela colagem de imagens, pelo texto!!!!
Olá, Lourdes!
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Abraços,
Equipe Archtrends Portobello