“Aqui nós não bordamos almofadas”. Essa foi a frase que a designer francesa Charlotte Perriand ouviu ao bater à porta do estúdio de Le Corbusier, o célebre e acanhado espaço da Rue de Sèvres, em Paris. Mais do que um emprego, ela queria ter a oportunidade de trabalhar com o mestre franco-suíço, pois estava encantada com a leitura de um livro-manifesto.
A frase ecoou na metade dos anos de 1920 e quarenta anos depois foi a vez da brasileira Maria Elisa Costa, filha do criador de Brasília, tentar a mesma cartada na Rue de Sèvres. Seu marido, que trabalhava na Petrobras, teve que sair do Brasil às pressas após o golpe militar. Exilada em Paris, aos 30 anos e sem dinheiro, ela precisava de um emprego e achou que seria acolhida por Le Corbusier, que havia conhecido dois anos antes, no Rio de Janeiro, durante um jantar no apartamento em que seu pai morava, no final da praia do Leblon. Para sua decepção, foi dispensada pelo arquiteto que atendeu a porta dizendo que Le Corbusier não contratava mulheres.
Passados 20 anos, ou seja, na metade dos anos de 1980, a situação das arquitetas continuava difícil: “Vão abrir uma butique!”, sugeriu Lina Bo Bardi ao ver uma plateia feminina que foi ouvi-la em uma mesa-redonda no encerramento da mostra dedicada à Vilanova Artigas, em São Paulo.
O tempo acomodou os dissabores: Charlotte Perriand foi insistente e conseguiu colaborar com Le Corbusier (dividindo com ele a autoria de quase todos os móveis que desenhou); Maria Elisa arrumou emprego em outro escritório em Paris e Lina Bo Bardi não deixou de ser admirada pela maioria das arquitetas mundo afora.
Como essa história ainda precisa ser enfrentada, no ano passado as estudantes de arquitetura resolveram encarar o tema. Refletindo a terceira onda do feminismo e potencializada pelas redes sociais, o palco da discussão foram as paredes de algumas faculdades brasileiras. No Mackenzie, em São Paulo, o coletivo Zaha colou cartazes com frases incômodas que as alunas escutaram de alguns professores. Exemplos? “Seu trabalho é ruim, você pelo menos podia ter vindo com uma saia mais curta” e “para uma menina, você projeta muito bem”. Alguém pode falar frases como essas em 2016?
O incômodo gerou debates, causando até afastamentos de alguns professores, e inspirou um seminário internacional montado em maio deste ano no Centro Cultural São Paulo. Intitulado “Onde estão as mulheres arquitetas?”, o encontro reuniu festejadas profissionais e especialistas nas questões que envolvem gênero e arquitetura. Além de ajudar a fomentar o debate, como co-realizador do seminário, acompanhei atentamente as discussões, pois estava editando o catálogo e trabalhando na edição sobre mesmo tema da revista Monolito, lançada em agosto.
Posso afirmar que, entre os mais de 500 participantes, fui um dos mais privilegiados: saí dali modificado pelo simples fato de ser homem – vergonhosamente, um dos únicos presentes durante os quatro dias do evento.
O debate relacionando profissão e gênero estava distante da minha realidade, mas compreendi como o universo arquitetônico é cruel com as mulheres. Nunca havia passado pela minha cabeça, por exemplo, a relação perversa entre a maternidade e a informalidade dos ateliês, que não registram ninguém com carteira assinada. Essa situação pode afastar a mulher do ambiente profissional e dificultar a sua volta. Como disse uma jovem presente, “a reforma trabalhista já aconteceu há muito tempo na arquitetura”. Eu também não associava o número expressivo de arquitetas no setor público e no ensino à maternidade e à estabilidade profissional.
A reforma trabalhista já aconteceu há muito tempo na arquitetura.
São dezenas de questões e é necessário ampliar os espaços de debate, sendo imprescindível a participação dos homens. A dificuldade do protagonismo das mulheres na arquitetura ainda é uma questão em aberto, uma vez que elas representam mais de 60% da classe, mas raramente lideram projetos de grande porte.
Claro que é legítimo que uma arquiteta escolha a área da profissão que mais lhe agrada – o que para muitas, mesmo que reforçando os preconceitos e estereótipos, pode ser a decoração e os interiores. Sem preconceito! Mas também é legítimo, e desejável, vê-las liderando projetos urbanos e de edifícios de grande porte, de estádios a aeroportos. Acredito que a liderança delas nesses desenhos poderá melhorar nossas cidades. Por outro lado, pela igualdade de gêneros, também é necessário estimular e valorizar arquitetos homens que escolham o nicho profissional que mais os sensibiliza. Incluindo aí as almofadas bordadas.