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Vida de Cão

(Arquivo: Pedro Andrade)

A vida é cheia de altos e baixos. Essa inconstância não é privilégio de poucos, mas me incluo no grupo de pessoas que prefere focar nas fontes de alegria ao invés de abraçar de vez a depressão. É um mecanismo de defesa que nem sempre funciona.

De tempos em tempos, a gente leva uma rasteira emocional e quando olha em volta, a tristeza já se instalou.

Por 13 anos dividi minha vida com um bulldog francês chamado Miles aqui em Nova York. Em 2017, após uma jornada exemplar, ele descansou. Naquele momento, doei quase tudo que era dele e - para fugir da dor da perda - engavetei dois ou três objetos dos quais não consegui me desfazer. Essa semana, limpando meu apartamento, esbarrei na coleira dele. Esse "tropeço" desencadeou um tsunami de emoções que acabaram fazendo com que eu questionasse um monte de coisas que nunca passaram pela minha cabeça. Como bom jornalista, fui atrás das respostas. 

Miles e Pedro Andrade (Arquivo pessoal)

Para a minha surpresa, cães e seres humanos já interagem há mais de 14 mil anos. Desenhos em cavernas, esqueletos dentro de tumbas egípcias e monumentos em Machu Picchu provam que nosso encanto por esses mamíferos já existe há séculos. Com isso em mente, é inevitável questionar por que essa espécie eventualmente se tornou o melhor amigo do homem. O cachorro não é nosso parente mais próximo no Reino Animal; o macaco é. Cães não são tão inteligentes quanto cabras ou ratos. Cavalos e coelhos são menos agressivos que nossos companheiros diários. Então por que cargas d'água decidimos nos apaixonar pelos Totós?

Reza a lenda que milhares de anos atrás, lobos se deram conta de que o homem da pedra jogava parte de sua caça fora, fornecendo assim uma refeição fácil e deliciosa. Por conveniência mútua, os lobos passaram a nos proteger e vice-versa. De acordo com a teoria - mais que comprovada - de Charles Darwin, a espécie se adaptou, evoluiu e se transformou nesse animal adorável e afetuoso que hoje em dia rege nossas vidas. Pesquisas mostram que o controle é bilateral. Sim, a gente domestica o cão, no entanto, há hábitos caninos capazes de manipular até os donos mais insensíveis. A maneira como um cachorro manipula seu dono com apenas um olhar carinhoso (conhecido aqui como “puppy eyes"), é um fenômeno que só existe nessa relação específica - em outras palavras, esse tipo de sinergia não existe no encontro com, por exemplo, uma vaca ou um gorila. Eles sabem o poder que têm. 

Miles e Pedro Andrade (Arquivo pessoal)

Filhotes capazes de dominar esta estratégia são adotados vinte vezes mais rapidamente que seus primos menos habilidosos. 

Na verdade, a pandemia foi responsável por um evento inusitado. Nunca na história dos Estados Unidos foi tão difícil adotar qualquer raça. Do dia para a noite, huskies siberianos, beagles, rottweilers, labradores, poodles e - é claro - vira-latas tornaram-se um acessório necessário. Abrigos, que durante tanto tempo viviam abarrotados, de repente estavam vazios. Isso aconteceu por alguns motivos: primeiro, nunca sentimos tanta falta de carinho, troca e conexão afetiva. Segundo, hoje a castração é quase obrigatória por essas bandas. Por último, inesperadamente, ter um cachorrinho adotado virou um sinal de status. De Jake Gyllenhaal a Dua Lipa, de Chelsea Handler a Jennifer Aniston: todo mundo faz questão de exibir seus "melhores amigos" nas mais diversas oportunidades. 

Miles (Arquivo pessoal)

Pesquisas mostram que redes sociais e sites de relacionamento passaram por uma transformação onde perfis de pais e mães adotivos fazem mais sucesso que aqueles que preferem um lar sem pelo no tapete. 

Hoje aqui em Nova York, na grande maioria dos abrigos, você precisa provar que tem um salário bom, condições de alimentar seu bichinho com ração de primeira, dinheiro para pagar um treinador caso ele precise, espaço para oferecer noites de sono tranquilas e sessões de análise dia sim, dia não... OK... Esse último item eu inventei, mas, sem dúvidas as demandas mudaram completamente de uns tempos para cá.  

A indústria de produtos dedicados a animais de estimação ultrapassou o marco de 100 bilhões de dólares em 2020. A expectativa é que chegue a 350 bilhões até 2027.

Durante a pandemia, 67% dos donos de animais domésticos alegam que gastaram mais dinheiro com a alimentação da bicharada do que com a própria barriga. Rações veganas, massagens tailandesas, roupas de grife e móveis com design dinamarquês... Não há limites.

O impacto que esses animais têm nas nossas vidas vai muito além do aspecto econômico. Na verdade, estamos falando de implicações hormonais. Cientistas russos provaram recentemente que a interação entre o ser humano e o cachorro estimula a produção de oxitocina no nosso organismo. Esse neurotransmissor natural produzido pelo hipotálamo no cérebro é conhecido como hormônio do amor e é responsável por alguns dos momentos mais felizes das nossas vidas. 

Por enquanto, não cogito ter outro cachorro. Minha rotina não permitiria que eu desse a atenção merecida ao bichinho, mas sou daqueles que deita na calçada e se atraca com o primeiro bulldog que passar na frente. Além disso, por incrível que pareça, confesso que ainda não superei a perda do Miles... Como tudo que vale a pena na vida, ele também deixou saudades.

Veja, abaixo, um painel de imagens enviadas por meus seguidores, que também prestaram uma homenagem aos seus amados cães.

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