Lembro bem da primeira vez que pisei no Museu de Arte Moderna de NY. Na época, estava fazendo intercâmbio cultural na microscópica cidade de Lynchburg, na Virgínia, quando minha avó sugeriu que a encontrasse em Manhattan. Segundo ela, não havia a menor chance de eu não me apaixonar pela Big Apple. Estava certa.
Me enviou uma passagem de trem e, dois dias depois, cá estava eu, absolutamente encantado com cada detalhe dessa cidade que já habitava meus sonhos desde a infância.
No primeiro dia fomos ao Central Park e a um espetáculo da Broadway (interminável, diga-se de passagem). No segundo, fomos ao MoMA. Meu avô olhou para uma peça em destaque, que parecia ser nada mais nada menos que uma roda de bicicleta acoplada a um banco redondo, e disse: "Que porcaria! Não serve nem para sentar". Eu, do alto da minha prepotência juvenil, retruquei: "Não, vô. É uma obra de arte."
O objeto, criado pelo francês Marcel Duchamp e conhecido como Bicycle Wheel, foi feito em Paris em 1913 e exposto em NY em 1914 no primeiro Armory Show, um dos eventos mais revolucionários de todos os tempos no universo da arte. Até então, a arte figurativa era praticamente o único estilo reconhecido como algo de qualidade, no entanto, graças a Picasso, Matisse, Braque e, sim, o próprio Duchamp, tudo mudou do dia para a noite. Cubismo, abstrato, arte performática e outras representações passaram a ser admiradas com outra mentalidade.
Digo isso tudo para contextualizar o momento que estimulou um grupo de mulheres visionárias a abrir as portas de uma galeria dedicada à arte moderna em 1929 em um apartamento da família Rockefeller no Upper East Side. Quinze anos após o Armory Show, era evidente a necessidade de uma instituição de arte dedicada a este novo olhar. O sucesso foi tamanho que em pouco tempo, graças às filas que atravancavam a calçada da vizinhança, elas tiveram que mudar o projeto para uma townhouse há algumas quadras do endereço original. E assim nasceu o MoMA.
De lá para cá, o museu passou por várias expansões, no entanto, a mais recente talvez seja também a mais transformativa de todas. Do ponto de vista das dimensões absolutas da instituição, seu espaço vem crescendo década após década, mas a forma como as obras eram apresentadas ao público pouco mudou no último século. Até agora.
Para começo de conversa, o MoMA comprou o espaço do antigo Folk Art Museum (seu vizinho por muitos anos), investiu US$ 450 milhões e expandiu sua área em um terço. Se antes havia espaço para que mais ou menos mil e duzentas obras fossem expostas, hoje estamos falando de quase três mil.
Os clássicos lá permanecem: Van Gogh, Monet, Salvador Dalí, Miró, DeKooning e Picasso, porém, hoje, estão misturados harmoniosamente com artistas menos consagrados entretanto mais atuais. Se antes as galerias eram divididas cronologicamente, hoje o fio condutor é mais ousado e dinâmico. Dentre meus temas favoritos estão os espaços dedicados a autorretratos masculinos, nus femininos, arte inspirada em conflitos e obras feitas por artistas negros americanos na segunda metade do século XX.
A princípio este conceito pode parecer confuso, mas, acredite, a experiência acaba sendo menos óbvia e estimula nosso encanto por novos artistas.
Outra novidade é o peso que outros estilos de arte passaram a ter dentro do museu. Agora moda, fotografia, cinema, arquitetura, dança e design têm espaço privilegiado e cativo nos cinco andares do edifício. Isso é resultado do que a meu ver é o maior diferencial do MoMA: a capacidade de acompanhar o mundo ao seu redor. Nos anos cinquenta, vimos uma exposição sobre artistas judeus que faleceram durante a Segunda Guerra Mundial. Nos anos sessenta, havia um foco maior no feminismo. Depois, uma luta declarada contra o racismo. No início dos anos noventa, a curadoria decidiu elaborar uma mostra dedicada a vítimas da epidemia da AIDS. Mais tarde, a instituição abraçou a arte pop. Dez anos atrás passaram a valorizar a arte de rua e agora o acervo permanente conta com cinco vezes mais obras femininas, três vezes mais latinos e o dobro de peças criadas por membros da comunidade LGBTQ.
No final das contas, quem ganha somos nós, que temos acesso a um museu repleto de Warhol's, Basquiat's, O'Keefe's, Lichtenstein's, Haring's, Mapplethorpe's, Louise Bourgeouis', Banksy's, Kehinde Wiley's, Gauguin's, Kandinsky's, Brancusi's, Giacometti's e até nossa Tarsila do Amaral que, merecidamente, está em destaque entre Rothko e Cezanne.
Do ponto de vista arquitetônico, além das novas lojas, cafés, lounges e restaurantes, talvez a grande diferença seja a forma como a instituição hoje em dia abraça a cidade à sua volta. Muitas das paredes brancas de concreto foram substituídas por janelas enormes, que por sua vez nos permitem admirar a Big Apple com a mesma devoção com a qual apreciamos os gênios contemporâneos espalhados pelas galerias.
A verdade é que não estamos falando do maior nem do melhor museu do mundo, no entanto, tudo que é destaque em Nova York, dita o que é especial ou não no resto do mundo. Assim como a cadeira inovadora de Duchamp, a Capital do Mundo não é uma mera cidade. É uma obra de arte.
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Foto de destaque: Brett Beyer
Vídeo da expansão do MoMA: arquitetos Diller Scofidio + Renfro