Um Brasil de oportunidades para o design resiliente
Resiliência é um termo relativamente novo para o design. Escutei-o pela primeira vez no léxico do arquiteto Marko Brajovic, croata que se estabeleceu em São Paulo há mais de uma década. Brajovic vem sendo uma voz proeminente da Biomimética no design, disciplina que ele entende em todas as suas escalas, do mobiliário à arquitetura e ao urbanismo.
A Biomimética investiga como o homem pode se apropriar da inteligência da natureza: estuda as estruturas e sistemas biológicos com o intuito de transpor as respostas para os problemas humanos, muitas vezes semelhantes àqueles que a natureza já conseguiu solucionar. O nome deriva das palavras gregas bios (vida) e mimesis (imitação), mas denota uma imitação da natureza em nada superficial; pelo contrário, lida com parâmetros bastante profundos, muitas vezes microscópicos.
É um caminho envolvente. Como lembram os designers que trabalham com a Biomimética, a natureza é designer há 3.8 bilhões de anos e, portanto, tudo o que nela existe é resultado de erros e acertos, novos erros e novos acertos, incontáveis, até as soluções atuais. Soluções que, por sua vez, estão nesse movimento sempre atualizado e constante de recriação.
Tal capacidade, nas palavras de Brajovic, de “se adaptar a mudanças em vez de combatê-las”, é o que se pode chamar de resiliência, conceito-chave da sobrevivência e evolução de seres vivos e dos ecossistemas. A nossa era é de alterações climáticas que acontecem a uma velocidade sem precedentes, e por isso urge a capacidade de adaptação em resposta a eventos repentinos e potencialmente desastrosos, tais como os grandes furacões Sandy, em 2012, ou Harvey e Maria, em 2017, responsáveis por devastar cidades inteiras. (Esses episódios foram responsáveis, em grande medida, por trazer à pauta das disciplinas do design a inadequação de modelos de construção atual.)
O campo de investigação da Biomimética é imensuravelmente amplo. No Brasil, o Atelier Marko Brajovic cria seu mapeamento por meio da plataforma Design by Nature, grupo de discussão e pesquisa aberto a profissionais de diversas áreas, e que realiza workshops anuais em Paraty, no litoral do Rio de Janeiro, em meio à Mata Atlântica, e na floresta Amazônica, este em parceria com a Architectural Association de Londres (AA). Em oportunidades como essas, pode-se estudar o mecanismo de ramificação de uma planta e usar tais parâmetros para desenhar um sistema mais eficiente de iluminação, tudo feito por meio de softwares computacionais de linguagem paramétrica, que leem os inputs e, a partir deles, auxiliam na criação das formas projetuais.
Indo além de cada estratégia encontrada em cada organismo, a investigação pode chegar às inter-relações existentes nos ecossistemas como um todo, e a capacidade desses “superorganismos” de trabalhar em rede. Florestas se regeneram, reciclam seus resíduos, têm sistemas otimizados de distribuição de água e de compartilhamento do território, agenciam a convivência entre orgânico e inorgânico. Tudo isso pode iluminar os desafios das aglomerações humanas, das menores às suas maiores estruturas. “Essas questões transitam da Biomimética para uma visão em macroescala do ecossistema. Em uma escala menor, isso significa: qual é a gênese das formas naturais? Como elas se adaptam, eventualmente colapsam, e se reorganizam em sistemas mais complexos? Vejo como uma analogia da evolução da civilização e, consequentemente, de como o design terá que evoluir, refletindo a nossa adaptabilidade ou não às mudanças. De que maneira a forma social, arquitetônica, urbana reagirá e se adaptará?”, provoca o arquiteto.
O Brasil possui a maior biodiversidade do mundo e, portanto, a “maior quantidade de soluções tecnológicas no mundo”. Além dessas soluções intrínsecas, nosso país tem uma capacidade material e cultural que o coloca em um lugar realmente único de potência inovadora. “Em conjunto com a inspiração nos processos da natureza, temos todos métodos artesanais de produção que podem ser combinados às tecnologias digitais e aos materiais endógenos renováveis”, diz Marko. É hora de criar junto a esse grande laboratório natural e de aprender as lições de sua resiliência.