As diferenças em tipos de móveis seguem o percurso da história. Peças podem se tornar anacrônicas e desnecessárias, ou surgirem de maneira inédita e necessária. Armários de arquivo desaparecem de escritórios cujas informações são armazenadas em nuvens; já móveis com tomadas proliferam em espaços públicos.
Em suas formas variadas ao longo de épocas e culturas, móveis para sentar são uma exceção às oscilações tipológicas. É arquetípico ao homem a posição de descanso da postura em pé e, no ocidente, as cadeiras continuam sendo o seu formato primordial. Não por acaso, elas representaram metade dos 200 móveis que a Vitra apresentou na última semana de design de Milão, na formidável exposição “Typecasting. An Assembly of Iconic, Forgotten and New Vitra Characters”, com curadoria do designer austríaco Robert Stadler. O pedido para mostrar o passado, presente e futuro da Vitra foi feito por Rolf Fehlbaum, diretor do conselho da empresa, um fanático confesso por cadeiras (Fehlbaum expressou tal paixão no livro ilustrado The Lucky, Plucky Chairs, que contém um glossário de cadeiras icônicas do século 20).
A ideia inicial de Stadler foi expor os móveis como personagens e, assim, falar das pessoas. “O mobiliário sempre teve um papel de representação e ele diz muito sobre nós. E talvez hoje, na era das mídias sociais, seja ainda mais interessante ressaltar esse papel, pois móveis se tornaram adereços do ‘palco digital’”, explicou em entrevista. Com o conceito em mente, Stadler propôs comunidades imaginárias a partir de características marcantes, inspiradas em atitudes observadas na sociedade do Instagram, Facebook, Twitter e Snapchat. Idealizou nove tribos de móveis e objetos “icônicos, esquecidos e novos” da Vitra, e apelidou-os com expressões como Sonhadores, Atletas e Organizadores Compulsivos. O grande conjunto foi disposto sobre um palco chamativo, oval e amarelo (irônica e conscientemente imã de cliques), instalado no centro do ginásio esportivo La Pelota, no bairro de Brera.
Utilizando o design como veículo, a mostra refletiu sobre a autopromoção e a supervalorização da imagem na sociedade contemporânea. Sublinhou igualmente as características que definem bons projetos de design e, em alguns momentos, questionou a aleatoriedade das categorias criadas. O curador observou, por exemplo, que as cadeiras de Charles e Ray Eames encaixavam-se em vários dos grupos, o que demonstra seu caráter icônico. Cito outros exemplos: no núcleo chamado Restless [Sem Descanso] figuravam confortáveis poltrona rotatórias de escritório, mas igualmente uma escrivaninha alta que exige que quem trabalha fique em pé, em movimento (Hack, de Konstantin Grcic), e a Tip Ton de Barber & Osgerby, cadeira de plástico cujos pés permitem a posição ereta ou levemente inclinada para frente, numa dinâmica intuitiva. O grupo Spartans [Espartanos], definido por “objetos que descartam estranhezas e questionam os elementos mínimos que um móvel requer”, criou diálogos entre designers pragmáticos como Marteen van Severen, Jasper Morrison e Jean Prouvé. Era o oposto dos Dreamers [Sonhadores], nos quais projetos de Hella Jongerius, Isamu Noguchi e Sori Yanagi, com formas inspiradas na natureza, demonstram que designs podem ser um statement visual.
No centro do palco foi colocado o grupo Communals [Comunitários], protótipos inéditos de uma nova tipologia de móvel que vem ganhando a cena, criados por nomes consagrados como os Bouroullec, Barber & Osgerby, Konstantin Gric e o próprio Stadler. As peças, sofás por falta de nome mais preciso, respondem à dissolução de fronteiras entre espaço público e privado, trabalho e lazer; sobretudo ao ressurgimento da cultura do compartilhamento. Muito diversas entre si, as criações têm em comum o aspecto de lembrarem paisagens ou topografias, nas quais se pode sentar, deitar, usar o computador, conversar.
A proposta mais instigante desse grupo, no entanto, veio de uma dupla uma geração mais nova. O estúdio Commonplace, formado pelo designer Jon Stam e o engenheiro de software Simmon de Bakker, com base na Holanda, propôs uma pequena “comunidade” de bancos-robôs. De formato cúbico, eles se moviam de modo aparentemente aleatório, reunindo-se em diferentes agrupamentos, ora a dois, ora todos juntos, ora separados. Os pequenos trajetos, divididos por pausas longas, surpreendiam o espectador desprevenido.
“O que aconteceria se o móvel reagisse às situações sociais de um espaço? E se fosse uma comunidade autônoma com o qual o humano precisa lidar? Que pode se aproximar ou correr de você, fazer uma coreografia, sugerir onde você deve se sentar, enfim, criar espaços mais dinâmicos”, disse o designer Jon Stam. Os banquinhos azuis, peludos como animais de estimação, “são manifestamente provocativos e jocosos”. Muito provavelmente, foram os preferidos das redes sociais durante o evento. Lado a lado com ícones, em meio ao mar de personagens, aqueles novatos – talvez um tipo que veremos mais e mais no futuro – conseguiram se sobressair.