Sob o olhar dos artistas holandeses Lonneke Gordijn e Ralph Nauta, criadores do Studio Drift, a natureza e a tecnologia podem e devem conviver em harmonia. Eles materializam em arte a ideia do mundo biônico, possível graças à eletrônica e à robótica, mas com boas doses de poesia e design. À frente de uma equipe multidisciplinar, com estúdio em Amsterdã e Nova York, a dupla se dedica à pesquisa do uso positivo da tecnologia para traçar um diálogo entre fenômenos da natureza e a sociedade atual. E o resultado são esculturas, instalações e performances que encantam pela beleza e delicadeza, além de proporcionar ao público uma conscientização e reconexão com o planeta. Depois de passar por vários países, essa experiência aterrissou em território nacional e, atualmente, pode ser vivenciada na exposição Studio Drift - A Vida em Coisas, inaugurada recentemente no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo.
Fundado em 2007, o Studio Drift já exibiu seu trabalho em quase todo o mundo. São inúmeras exposições e projetos apresentados em grandes eventos, como a Bienal de Veneza e a Design Miami, além de museus emblemáticos, a exemplo do Stedelijk, em Amsterdam, Victoria & Albert, em Londres, e Metropolitan, de Nova York. Além disso, os artistas estão presentes em coleções permanentes do LACMA, Rijksmuseum, SFMOMA, Stedelijk e Victoria & Albert.
A palavra drift em inglês quer dizer "à deriva" ou estar "à mercê" e, além de dar nome ao estúdio, guia o processo criativo da equipe. Segundo Marcello Dantas, curador da mostra brasileira ao lado de Alfons Hug, Lonneke e Ralph fazem uma versão contemporânea do animismo — conceito em que as coisas têm uma alma, repleta de intenção. "A transformação de um híbrido entre um robô e uma flor, revela o encontro entre a projeção que fazemos das coisas e aquilo que elas potencialmente podem ser. O trabalho da dupla mostra o quanto tudo está realmente interconectado, entre o mundo natural e o mundo artificial, e como essa fronteira vem se rompendo", explica.
Quem visitar a exposição no CCBB, poderá perceber que a luz é protagonista na construção da arte do Studio Drift, usada com sutileza, mas, ao mesmo tempo, trazendo profundidade. As obras abordam elementos essenciais da vida na Terra e suscitam questionamentos a respeito do cotidiano e da futilidade na atividade humana. “Nos fazem pensar no mundo de hoje, mas também em nossas origens, pois esta luz vem de longe e contém um vislumbre do passado remoto”, define Hug. É possível constatar isto na escultura multidisciplinar Fragile Future, que procura fundir natureza e tecnologia — o projeto de maior sucesso do Studio Drift até hoje. Criada como projeto de graduação da dupla na Design Academy Eindhoven, em 2005, a obra traz uma visão utópica e crítica do futuro, em que duas formas de evolução opostas realizam um pacto de sobrevivência. São circuitos elétricos tridimensionais de bronze conectados a sementes da planta dente-de-leão, que, por sua vez, emitem luzes. Tem forma infinita, que pode crescer ou encolher, dependendo do espaço onde está instalada. Uma curiosidade é que os artistas do Drift usaram sementes que, uma a uma, receberam luzes de LED num processo artesanal. Essa instalação já foi exposta na Design Miami, em 2008 e, posteriormente, fez parte da mostra Feito por Brasileiros, na Cidade Matarazzo, em São Paulo, em 2017. Em 2008, ganhou o prêmio Light of the Future, do German Design Council.
Outro destaque da exposição no CCBB é a escultura hipnótica Shylight, que atrai todas as atenções em uma fascinante coreografia que mimetiza o comportamento de flores durante o dia e a noite, numa abre e fecha pautado pela delicadeza de movimento e forma. Com essa obra, os artistas apresentam a ideia de que tudo está em constante metamorfose na natureza, além de os objetos animados ganharem a força de expressar caráter e emoção.
A exposição apresenta ainda Materialism, uma pesquisa da dupla sobre os diversos materiais utilizados na construção de objetos do cotidiano e suas quantidades. Em Fusca Volkswagen, a dupla comprimiu todos os materiais secos do carro em uma forma condensada, que revela uma crítica sobre o papel dos seres humanos na transformação da natureza.
Especialmente para exposição da dupla no Brasil, eles aplicaram seu processo de decomposição dos materiais sobre a Cadeira Banquete, de autoria Humberto e Fernando Campana. Com a autorização e parceria do Estudio Campana, a icônica poltrona realizada com bichos de pelúcia sobre uma base de metal foi desconstruída em forma de cubos prensados, cada cubo condensando um tipo de material utilizado, como a pelúcia, a espuma interna dos bonecos, seus olhos, as partes em metal, sugerindo reflexões sobre a diversidade de sua composição e a relação com sua funcionalidade.
Pensada inicialmente para compor o cenário da ópera Orfeu, a escultura cinética Ego também traz questionamentos. A obra nos faz refletir sobre o quanto nossas esperanças, verdades e emoções são resultado direto da rigidez ou da fluidez da mente. Trata-se de um bloco de fibra de nylon que oscila graças à ação de oito motores, que funcionam com um software personalizado, desenvolvido especialmente para a obra. Cada motor tem um algoritmo próprio, que dá mobilidade ao bloco no tensionar dos fios.
Por fim, também fazem parte da exposição as obras Amplitude, Franchise Freedom, Coded Nature, Drifters, Dandelight e Making of DRIFT — esta última apresenta uma espécie de making of do trabalho da dupla.
As obras do Studio Drift integram a primeira mostra no CCBB São Paulo a ocupar, além das galerias tradicionais do icônico edifício criado pelo arquiteto Hippolyto Pujol Júnior, um novo anexo com 300 metros quadrados bem em frente ao museu, no centro histórico da cidade.
SERVIÇO
Studio Drift - Vida em Coisas
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo
Quando: até 7 de agosto - todos os dias, das 9h às 20h, exceto às terças-feiras
Ingressos gratuitos: disponíveis em bb.com.br/cultura e na bilheteria física do CCBB SP