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“Projeto social é aula de desapego, inclusive, de seus ideais”, diz Angela Castilho

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21.12.2018
Nesta reta final de 2018, arquiteta conta como passou a liderar uma ONG, em Brasília, e faz um convite especial à reflexão sobre o próximo.
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Movida a desafios, principalmente, quando se trata de uma reforma transformadora, com pensamento positivo e sem medo de colocar o “pé na lama”, Angela Castilho é uma arquiteta mineira, formada no Rio de Janeiro, que se viu em meio a uma crise econômica que parou a construção civil do Brasil assim que se formou, há mais de 30 anos. A solução foi se mudar na cara e na coragem, como ela mesma define, para Goiânia, região menos afetada do país. “Eu era muito valente, porque nem conhecia a cidade. Como eu queria trabalhar com arquitetura, eu fui. Depois, eu me mudei para Brasília, onde estou até hoje. Aqui desenvolvi minha carreira”, resume.

Angela Castilho (Foto: arquivo pessoal)

A valentia da juventude permanece até hoje e fez com que, em um belo dia de 2015, ela acordasse com vontade de conhecer a favela Santa Luzia, na cidade Estrutural de Brasília, uma comunidade que surgiu no entorno do, até então, maior lixo a céu aberto da América Latina. “Eu chamei um funcionário meu para ir comigo, peguei alguns alimentos para não chegar de mãos vazias e fui. Ele, por ser mais cauteloso, ainda tentou me convencer do contrário, mas não adiantou. Quando quero uma coisa, eu penso no positivo. Eu acho que, por isso, fui sem o menor medo, acredite se quiser. Em momento algum, eu me conectei com o medo, porque estava muito a fim de conhecer aquele lugar”, relembra Angela.

A arquiteta ainda contou com a “consultoria” da filha mais velha formada em Relações Internacionais que, na ocasião, terminava uma especialização na área de inovação em projetos sociais: “De certa forma, essa área tem a ver com uma outra maneira de a gente enxergar a vida: com menos ambição e consumismo, e mais compartilhamento. Então, no dia que eu acordei com vontade de ir à comunidade, eu liguei para ela do carro e pedi orientação. Ela falou: ‘Mãe, projeto social é o seguinte: a gente só faz, quando você pensa muito, você não faz’. Então, eu apenas fui”.

Flores nascem na comunidade de Santa Luzia (Foto: Instagram Projeto Estruturando)

Angela Castilho acredita que a iniciativa de uma ação social nasce a partir de um desejo verdadeiro do indivíduo. “É muito forte e não necessariamente racional. Ela só nasce em você e basta isso”, defende a profissional que completa: “Nós somos frequência de energia, a energia está zanzando ao redor da gente em tudo. É a energia do cliente com você, de você com você mesmo. Então, essa minha vontade já existia, mas estava sendo soterrada por conta das obrigações, da rotina. E, naquele dia, a vontade explodiu, não foi uma coisa amadurecida. Por isso, acredito que o universo escuta, pega aquela frequência e sintoniza. Foi aí que fui parar na favela!”.

Assista ao vídeo e conheça a comunidade de Santa Luzia:

 

A imersão e o envolvimento foram acontecendo de forma rápida e, nos três primeiros meses, ela se dedicou à pesquisa, ajudando como podia e com a contribuição de amigos que davam alimentos para ela levar. “Minha filha já tinha me orientado também que, para você ajudar em uma comunidade, você deve colocar o pé na lama, ir na prática e não escutar apenas dados da internet. Você tem que ir para dentro da ação que você pretende fazer para conhecer a fundo”, comenta Castilho.

Angela com parte da equipe da Estruturando e moradores da favela Santa Luzia (Foto: Instagram Projeto Estruturando)

Com o uso das redes sociais, Angela foi pedindo ajuda e muitos amigos, também profissionais da área de arquitetura, decoração e design, se sensibilizaram: “Quando eu vi, já tínhamos um grupo que institucionalizou a ação através da ONG Estruturando. Na época, a própria Portobello, através da Portobello Shop do SIA, nos fez uma doação, pois estávamos precisando de revestimentos para obras”.

No início, os voluntários cuidavam de toda alimentação mensal das sete creches da região, o que os deixou sobrecarregados. “A gente passava o mês desesperado para garantir a comida das crianças e não conseguia evoluir desse ponto. Uma coisa que era para ser prazerosa começou a ficar muito pesada. Então, nos reunimos e decidimos diminuir tudo isso, pegar 10% disso e agir de forma que fosse prazeroso e tivesse uma significância, um resultado possível diferente na vida dessas crianças, ou seja, uma intervenção que pudesse significar uma mudança de destino. Por isso, escolhemos uma creche com a qual tínhamos mais afinidade e passamos a investir mais no processo pedagógico e no cuidado do espaço”, explica.

Crecheiras recebem aulas de contabilidade (Foto: Instagram Projeto Estruturando)

Segundo Angela Castilho, a dedicação e o amadurecimento mostraram que a conexão entre projetos sociais e a arquitetura era maior do que ela imaginava: “Tem muita gente precisando daquilo que sobrou na obra, daquilo que vai ser lixo. Sempre tem alguém precisando daquilo que você não precisa mais, seja um sapato, uma roupa, um azulejo, uma torneira. Mas, principalmente, de um carinho, um abraço. Se você perguntar o que a gente mais precisa, eu vou responder: o seu tempo e o seu compromisso”.

Angela Castilho brinca com criança da creche (Foto: Instagram Projeto Estruturando)
Voluntária dá aula de música para as crianças (Foto: Instagram Projeto Estruturando)

O olhar mais atento a tudo ao seu redor, ao que sobra para você e falta para o outro, é inevitável. Tanto é que Angela passou a adotar posturas diferentes. “Nada na vida é meu, apenas está comigo, mas, daqui a pouco, pode estar com você. Então, o projeto social vem me ensinando bastante sobre a impermanência, que as coisas não são do jeito que você quer, que as coisas mudam, são transitórias, o desapego. Inclusive o desapego das suas ideologias e ideais”, garante a arquiteta.

Projeto da creche Semeando Esperança sendo feito com o apoio da Portobello Shop (Foto: Instagram Projeto Estruturando)

À frente de um escritório que cuida de todas as etapas de uma obra, Castilho conta que adora participar de processos criativos e confessa: “Me sinto muito importante com a minha escolha profissional. Sabe por quê? Quem criou o mundo foi Deus, mas eu me sinto continuando esse trabalho através da minha vocação. É um prazer pegar esses espaços, criados por Ele, e torná-los mais acolhedores, mais aconchegantes. Então, qualquer coisa que eu possa tornar a vivência do outro melhor, eu adoro fazer. Eu gosto muito do desafio da transformação”.

Veja fotos de projetos de arquitetura realizados pelo escritório Angela Castilho:

Cozinha da Casa da Mata (Foto: site Angela Castilho)
Hall de entrada da Casa da Mata (Foto: site Angela Castilho)
Área gourmet da Casa da Mata (Foto: site Angela Castilho)
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Brunella Menezes
Colunista
Jornalista

Jornalista graduada pela PUC-Rio e com mestrado sanduíche em Tecnologias da Comunicação (Portugal e...

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