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Uma reflexão sobre as Arquitetas Negras brasileiras

Arquitetas Negras em uma reunião na sede do IAB - São Paulo (crédito: Ab Comunicação)

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Está acontecendo o 27º Congresso Mundial de Arquitetura com sua primeira edição no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro.

O congresso é organizado pela UIA - Internacional Union of Architects (União Internacional de Arquitetos), organização fundada na Suíça em 1948 com o objetivo de reunir, em uma única federação, todas as organizações nacionais de arquitetura do mundo. 

A organização que representa o Brasil nesta federação é o diretório nacional do IAB - Instituto de Arquitetos do Brasil, do qual sou vice-presidente no departamento de São Paulo. 

À frente da organização do evento no Brasil está o departamento do IAB-RJ, que vem se esforçando ao máximo para contornar os desafios impostos pela pandemia e pela situação financeira e política que o Brasil atravessa neste momento.

Como a própria UIA descreve a UIA 2021 RIO:

Arquitetos de todos os continentes, dos mais consagrados aos novos talentos expoentes, pensadores do ambiente urbano, pesquisadores, universitários, construtores, movimentos sociais, empresas de tecnologia e inovação, instituições acadêmicas e multilaterais, autoridades políticas, todos estão convidados a cotejar experiências relacionadas à construção do espaço da vida social.

O evento, que estava agendado para o ano de 2020, mas foi adiado pelo motivo da pandemia da Covid- 19, acontece neste ano com parte da sua programação on-line e parte presencial prevista para julho de 2021. O tema definido para esta edição do evento foi: Todos os mundos um só mundo

E eu tive a honra de ser convidada para participar de duas atividades que aconteceram no mês de abril e maio, respectivamente. 

Irei compartilhar com vocês uma parte do que eu apresentei no dia 19 de abril, em uma mesa composta por Zaida Muxí (Arg/Esp) - arquiteta com pesquisa e atuação muito importantes na temática de gênero, arquitetura e cidades, e eu. A mesa foi mediada pela arquiteta e atual vereadora no Rio de Janeiro, Tainá de Paula. 

A conversa que desenvolvemos foi a respeito de nossas pesquisas dentro da temática de gênero e cultura e fez parte da primeira semana aberta do congresso.

Compartilhei meu olhar sobre a experiência histórica e atual das mulheres negras na sociedade brasileira, assim como suas experiências no campo de atuação e conhecimento de arquitetura e urbanismo no Brasil. Estas reflexões partilhadas são parte da pesquisa que desenvolvo no mestrado no núcleo Diversitas FFLCH-USP, onde analiso os reflexos do Projeto Arquitetas Negras, criado por mim em 2018, no campo da arquitetura e do urbanismo.

Projeto Arquitetas Negras
Arquitetas Negras em uma reunião na sede do IAB - São Paulo (crédito: Ab Comunicação)

Antes de iniciar esta reflexão, é preciso sempre colocar que as desigualdades no campo de atuação da arquitetura e do urbanismo vivenciadas por nós, pessoas negras, não definem a nossa potencialidade e nosso profissionalismo. Chamo atenção para esta pauta e desenvolvo essa pesquisa, pois acredito que ela seja necessária de ser amplamente debatida para que possamos em um futuro muito próximo atravessá-la para um futuro onde igualdades de oportunidades sejam a realidade na nossa profissão. 

Irei considerar aqui neste texto a análise que fiz com base nos relatos de 638 arquitetas negras brasileiras que responderam ao questionário de mapeamento do Projeto Arquitetas Negras até fevereiro de 2021. Este número representa 0,60% da porcentagem de arquitetas registradas no Brasil (105.420 mil ). Acredito que esta porcentagem seja expressivamente maior se projetarmos estes dados em relação aos 56.10% por cento de população negra no Brasil, segundo dados do IBGE divulgados em 2010.

O Projeto Arquitetas Negras ocupa o lugar de chamar atenção para a experiência da mulher negra na arquitetura e no urbanismo no Brasil, e destaca a diversidade e multiplicidade existente neste grupo, além de reafirmar: nós não somos iguais. Este entendimento precisa ser reforçado, do contrário, o projeto estaria construindo estereótipos ao invés de combatê-los.

Tomar conhecimento dos dados do mapeamento, também nos auxilia a entender a experiência das arquitetas negras no campo de atuação da arquitetura e do urbanismo.

Um dado alarmante dentro desta análise, diz respeito à remuneração de mulheres negras.

Lélia Gonzalez diz: "Parece que o racismo e suas práticas são muito mais contundentes nas ocupações de nível superior do que o sexismo, uma vez que as desigualdades salariais entre homens e mulheres são menores do que as observadas entre brancas e negras.” O ponto de vista de Lélia pode ser observado no diagnóstico do CAU - Conselho de Arquitetura e Urbanismo, que mostra que a maior diferença salarial se encontra entre homens brancos e mulheres negras. 

De acordo com o diagnóstico, há pelo menos 13 vezes mais arquitetos brancos do que arquitetas negras na faixa acima de 13 salários-mínimos. 

Projeto Arquitetas Negras
Dados do Diagnóstico de Equidade de Gênero do CAU - Conselho de Arquitetura e Urbanismo

Nota-se que os arquitetos brancos são os mais bem remunerados e as arquitetas negras correspondem ao grupo com os menores rendimentos. Os homens brancos recebem quase o dobro do que as mulheres negras. E ao cruzarem os dados sobre rendimento com as informações raciais da pesquisa, nota-se que as mulheres negras lideram os percentuais de profissionais sem emprego, segundo o diagnóstico.

Considerando as arquitetas negras que responderam o formulário, por exemplo, a maior parte delas encontra-se na faixa salarial entre 1.000 e 2.000 reais.

Projeto Arquitetas Negras
Dados levantados por mim através do mapeamento do Projeto Arquitetas Negras

Este é um dado alarmante uma vez que sabemos que mulheres negras são a maior parcela das mulheres responsáveis pelo sustento de suas famílias.

Dados do IPEA -  Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada nos informam que, em 2015, do total de 28 milhões 614 mil 895 famílias chefiadas por mulheres no brasil, 15.872.953 eram chefiadas por mulheres negras.

Segundo Carmem Barroso, que estudou sobre o fenômeno das mulheres chefes de família no Brasil, este dado se relaciona com a pobreza, sobretudo nas áreas urbanas. 

Também podemos relacioná-lo a diversas questões como a precariedade da moradia em que comumente mulheres negras habitam, a infraestrutura urbana deficitária dos locais onde são maioria, a ausência de equipamentos públicos de educação, saúde e lazer que as atenda, e/ou atenda suas famílias, a violência e o abuso que sofrem na rua, na escola, no ambiente de trabalho e dentro de casa.

Todas estas condições foram agravadas durante a pandemia da Covid. E reforçou o entendimento sobre a pirâmide social brasileira, uma vez que colocou as mulheres negras nos piores índices relacionados aos impactos da crise sanitária na qual estamos vivendo.

Concluo minha análise sobre esses dados da seguinte forma:

Estamos no momento em que é preciso reconfigurar o mundo. Muitas vezes, reconfigurar o mundo passa por pensar criticamente situações históricas e também aprender com as experiências e valorizar o legado das mulheres negras.

Então eu gostaria de concluir minha fala com uma citação da grande pensadora e ativista negra brasileira, Lélia Gonzales:

... trazemos em nós as marcas da exploração econômica e da subordinação racial e sexual. Por isso mesmo, trazemos conosco a marca da libertação de todos e de todas. Portanto, nosso lema deve ser: organização já! - Lélia Gonzalez

Projeto Arquitetas Negras
Lançamento do livro Arquitetas Negras vol.1 (org. Gabriela de Matos) no Sesc Pinheiros (SP) com arquitetas negras de diversas regiões do Brasil


Referências: 

Arquitetas Negras vol.1. Org. Gabriela de Matos. São Paulo. Bendito Ofício, 2019.

Diagnostico de gênero do CAU. Produzido por Comissão Temporária de Equidade de Gênero. São Paulo, 2019.

Gonzalez, Lélia. Por um Feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Org. Flavia Rios, Márcia Lima. 1 edição. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.

Resultado de dados mapeados pelo Projeto Arquitetas Negras entre 2018-2021.  

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