Durante 33 anos, eu convivi cotidianamente com meu avô, acompanhando de perto sua produção incansável e sua genialidade.
Com uma personalidade sui generis, ele era um homem da Renascença, aquele sujeito que se destacava em várias esferas da vida. Tudo o que ele fez – desenho, pintura, gravura, mosaico, vitral, cerâmica, escultura e mobiliário, entre outros meios de expressão – foi comprometido com a excelência.
Sua alegria de viver, otimismo e perseverança tiveram uma influência enorme na minha vida. Paulo Werneck era um artista obcecado pela inovação, sempre pesquisando novas técnicas e disciplinas para inovar. Se vivesse hoje em dia, certamente já estaria dominando o mundo da realidade virtual para trabalhar e se comunicar.
Tenho lembranças da infância, como as horas a fio em que eu passava no seu atelier apontando os lápis ou fazendo cola de farinha de trigo para selar as pastilhas de mosaico.
Em 1959, meus pais decidiram construir a nossa residência na ilha de Paquetá, Rio de Janeiro. Após uma longa busca no balneário, compramos o terreno e o arquiteto carioca Marcelo Roberto, padrinho da minha mãe, projetou a casa. Werneck, seu melhor amigo, se encarregou dos acabamentos e interiores.
A casa, com estrutura revolucionária para a época – e para a ilha –, possui detalhes muito especiais criados por Werneck, que passava todos os fins de semana com a gente.
Toda sexta-feira eu aguardava a sua chegada, com enorme curiosidade. Queria saber quais seriam minhas novas tarefas no estúdio: lixar, pintar, plantar ou simplesmente o observar trabalhando.
Acompanhar de perto o programa da casa foi, sem dúvida, a melhor formação que eu poderia ter tido em matéria de design. E eu tinha apenas seis anos de idade.
Entre os highlights da casa está um grande mural de mosaico vítrico em estilo abstrato que remete à paisagem marinha e se prolonga sobre os degraus da escada suspensa com pilastras de metal, da mesma cor do mosaico.
A porta de entrada da casa, em modelo de alçapão – que se destaca pela simplicidade e por fornecer uma entrada compacta e prática –, foi criada para proteger o espaço das correntes de vento frequentes à beira mar. Essa foi uma entre as muitas soluções encontradas por Werneck para corrigir o que o arquiteto não havia previsto.
Todo o revestimento do andar térreo e das áreas de serviço do andar superior foi feito com pastilhas cerâmicas e vítricas, respectivamente, especificadas por ele. Os azulejos dos banheiros e do bar são realizados em silkscreen, com desenhos náuticos, como âncoras e timões.
Para a sala de jantar, Werneck criou um vitral com cores fortes sobre estrutura preta. Esse mesmo vitral é o único exemplo existente de diversos outros que temos registrados.
Todo o mobiliário, assim como portas e marcenaria, foi executado em peroba do campo. E o muro, bem como o portão de entrada, é feito de pau de curral, madeira nativa da região.
O projeto paisagístico e o plantio do jardim eram o seu xodó. Lembro, ainda menino, quando um amigo trouxe da Índia uma muda de mangueira de presente, que vingou e até hoje dá frutos.
O tempo passou, e eu me formei em desenho industrial na Escola Superior de Desenho Industrial da Uerj. Em 1982, fui para Nova York fazer um curso de especialização em design têxtil e estilo, e lá estou até hoje.
Em 1987, após o falecimento do meu avô, minha mãe, filha única de Werneck, herdou seu atelier contendo toda a sua obra, com mais de 300 originais e os estudos preparativos de apresentação dos seus famosos murais. Um estoque de pastilhas originais e suas ferramentas de trabalho também estavam intactos.
Durante anos, minha mãe, Regina Yolanda Werneck, minha irmã Cláudia Saldanha e eu nos dedicamos aos trabalhos de catalogação dos arquivos.
Em 2005, criamos o Projeto Paulo Werneck e, graças ao patrocínio da Petrobras, iniciamos o restauro dos originais e produção da primeira retrospectiva de sua obra, inaugurada no Paço Imperial do Rio de Janeiro, em 2008. A exposição seguiu para a Pinacoteca de São Paulo, para a Caixa Cultural em Brasilia, para o Museu de Arte Moderna de Recife, em 2013, e para o Museu da Pampulha, em Belo Horizonte.
Durante todo o processo de conhecimento e reconhecimento profundo da obra, decidi levar adiante um sonho antigo: reeditar, restaurar e reinterpretar os desenhos de Paulo Werneck, evitando, dessa forma, seu esquecimento.
Meu primeiro passo foi contratar um ex-assistente de Werneck para reativar o atelier. Fizemos os protótipos e as primeiras reedições das mesas com tampo de mosaico, e colaboramos com o restauro de diversos murais. Entre eles, os mosaicos da igreja da Pampulha e o estádio do Maracanã, no Rio.
Hoje, a continuidade da obra desse artista está sob os cuidados da Cláudia, responsável pelo acervo, e sob os meus c – sou encarregado de sua comercialização.
O nosso maior projeto, que levou três anos para ser concluído, foi a reconstrução dos sete murais em mosaico para o terraço do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB). Desenhado pelos irmãos MMM Roberto, em 1941, o edifício foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional este ano e agora, com os belos jardins de Burle Marx, o terraço, que havia sido demolido retorna a sua configuração original.
Atualmente em Miami, tenho colaborado com arquitetos levando a obra de Paulo Werneck pela primeira vez para o exterior.
Em junho de 2017, fiz uma releitura de dois murais para a arquiteta cubana Claudia Herrera e os instalamos em um resort na ilha de Antígua, no Caribe. Além disso, um projeto que ainda esta na prancheta é a releitura do mural da casa de Paquetá, para um novo hotel em Miami, encomendado pela arquiteta francesa Laure Tirouflet.
E assim seguimos, mantendo vivos o trabalho e a memória desse grande artista.