Desde que o mundo é mundo, o ser humano sempre foi tribalista. Sobreviver é mais fácil, prático e divertido quando estamos acompanhados desde a Idade da Pedra.
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Por isso, é interessante observar porque tanta gente hoje em dia mora sozinha. Na verdade, nunca na história da humanidade este arranjo doméstico solitário foi tão popular quanto agora.
Os números são assustadores. 28% dos americanos vivem sem qualquer companhia, no Japão esta estatística sobe para 34%, no Reino Unido para 42% e, por incrível que pareça, 60% da população sueca não divide apartamento com ninguém.
Antes de falar do impacto que isso tem em nossas vidas, é importante ressaltar a diferença entre solitude e solidão.
Solitude é uma auto-suficiência emocional. É saber estar bem, tranquilo e completo consigo mesmo. Já a solidão, vem atrelada a um sentimento triste; a uma vontade de estar com alguém porém sem esta opção.
Minha cidade, Nova York, é um lugar cheio de gente independente. Mais da metade da Capital do Mundo vive sozinha, mas, estamos falando da primeira opção, ou seja, pessoas que não trocam o próprio sossego, individualidade e autonomia por nada.
A solidão, por outro lado é perigosa. Segundo novas pesquisas, pode ser fonte de problemas cardíacos, depressão, ansiedade, obesidade, diabete, stress e, é capaz de reduzir em até quinze anos a expectativa de vida da pessoa.
O momento no qual nos encontramos agora, não ajuda quando o assunto é contato humano. Restaurantes fechados, escolas vazias, escritórios desertos, salões às moscas, eventos cancelados e nós, devidamente quarentenados.
Não digo isso com qualquer resistência ou revolta. A medida é absolutamente necessária e vai poupar a vida de muitos. Tenho certeza que vamos superar esta pandemia e voltaremos a nos encontrar, abraçar, beijar, paquerar e viajar em breve.
Enquanto isso não acontece, acho interessante observarmos como os nova-iorquinos têm lidado com este período tão peculiar.
O coronavírus não foi ruim para todos. Cães estão felizes da vida porque nunca se adotou tanto cachorro nos Estados Unidos quanto agora. Só na Big Apple estamos falando de mais do dobro de caninos antes abandonados, porém, com uma casa nova no último mês. Um animal de estimação não só proporciona a oportunidade de uma troca de carinho, mas também, estabelece uma estrutura no dia de qualquer um: hora de levá-lo para passar, de dar comida para o bichinho, de dar banho, e assim por diante.
Outro fenômeno curioso, é a popularização dos aplicativos de relacionamento. O Tinder e o Bumble viram um crescimento de 50% no último mês. Se antes as pessoas se curtiam on-line e marcavam um drink no bar da esquina, hoje, eles se paqueram nas próprias salas e depois vão conversar nas próprias cozinhas. Homens de uma maneira geral, reclamam do novo arranjo, enquanto mulheres, afirmam que é uma forma de curtir um outro aspecto da pessoa antes de... Bem... Antes de se aproximarem fisicamente.
Na lista dos novos hábitos popularizados durante a quarentena estão a jardinagem, aprender um novo idioma, happy-hour com a família, a arte de fazer pães e a incessante malhação caseira (quem diria que o mundo tinha tanto personal trainer?).
Artistas renomados, chefs estrelados e comediantes entediados nos presenteiam vinte quatro horas por dia com aulas de piano, cantorias no jardim de casa e cursos de culinária gratuitos.
Algumas das instituições de arte mais respeitadas do planeta, dentre elas o Metropolitan Museum, o Smithsonian e o MoMA, disponibilizaram suas coleções on line. O Bolshoi decidiu compartilhar seus ballets digitalmente, grandes DJ's como Diplo e David Guetta, animam a nossa noite diretamente de seus respectivos apartamentos e até cabarés de strip-tease tiveram que se reinventar.
Aplicativos dedicados a comunicação remota tornaram-se tão necessários que o Skype, o Zoom e o Facetime tiveram que reprogramar seus algoritmos para que as plataformas pudessem suportar os milhões de acessos por minuto. Reuniões de trabalho e conference calls profissionais, de certa forma, viraram uma ocasião voyerística onde um bisbilhota a privacidade do outro e vice-versa. Como moro no epicentro da pandemia e apresento alguns programas ao vivo, posso afirmar com convicção que o público também nota a cor das flores que comprei naquela manhã, os quadros que pendurei na minha parede de tijolos e a vela que deixo acesa durante a filmagem.
O fato, é que o mundo teve que continuar girando sem que a gente saísse de casa. Por um lado, isso inevitavelmente proporciona uma claustrofobia geral, no entanto, descobrir encantos no nosso próprio lar pode - e deve - ser um exercício valido não só durante a quarentena, mas, para o resto da vida.
O valor do nosso conforto, do nosso aconchego e do nosso bem-estar doméstico nunca ficou tão evidente. Tudo aquilo que a gente escolhe trazer para dentro da nossa casa é um reflexo de quem nós somos. Após este momento inusitado, tenho fé que a gente vai aprender de uma vez por todas que frequentar bons restaurantes, viajar de primeira classe e malhar numa academia poderosa são privilégios valiosos, no entanto, investir tempo, dinheiro, energia e dedicação no nosso lar, isso sim, é prioridade.