Os pequenos e a grande arquitetura
Há pouco mais de uma década, quando meus filhos estavam na primeira infância, de tanto assistir películas para crianças, eu publiquei um artigo que relacionava os longas-metragens da Pixar com arquitetura. Minha narrativa iniciava com Toy Story, lançado em 1990, onde fica claro o embate entre o subúrbio norte-americano, tipo New Urbanismo, com downtown – o centro da cidade.
Acompanhando cronologicamente os lançamentos, meu texto seguiu tratando de Monstros S.A., onde, em minha loucura, consegui enxergar cenários inspirados em Louis Kahn, Marcel Breuer e Santiago Calatrava. Depois, na aventura submersa Procurando Nemo, a relação das animações com a arquitetura moderna foi direta, com o fim da trama ocorrendo próximo à Ópera de Sidney, obra-prima de Jørn Utzon.
Mas foi em Os Incríveis, o desenho preferido de Pedro, meu filho mais velho, que encontrei as mais sofisticadas relações da animação com a arte de construir. Pasmem, mas ali eu constatei citações à Case Study Houses, aos cenários dos filmes de Jacques Tati e às obras de Alberto Campo Baeza, Marcio Kogan e Isay Weinfeld! Isso sem esquecer a clara referência a Frank Lloyd Wright...
Nesse contexto, é bom esclarecer que sou daqueles que preferem que as crianças encontrem diversão na realidade corrente, na arquitetura realizada para todos, do que se divirtam em espaços imaturos concebidos especialmente para elas. Ou seja, que se divirtam no mundo adulto e não nos espaços controlados e com quinas com espumas.
O ponto extremo: por não corroborar com um espaço planejado para o consumo fácil, eu me recusei a levar os coitados dos meus herdeiros à Disney. Um argumento a meu favor é que acredito que a realidade construída pode ser fascinante para as crianças. Imagine ter a oportunidade de conhecer Veneza, por exemplo, com a mente em formação?
Os dois meninos tiveram a oportunidade na infância de se entreterem nas viagens em família conhecendo arquitetura moderna e contemporânea que não foram imaginadas para agradar aos pequenos. Um exemplo? Eles se divertiram às pampas escalando o embasamento de madeira das Torres Siamesas que abrigam os computadores da Universidade Católica de Santiago do Chile, com desenho de Alejandro Aravena.
Claro que às vezes os espaços lúdicos também são controlados: quando os dois, e uma turminha de amigos, começaram a brincar com as rolhas gigantes criadas por Herzog & de Meuron e Ai Wei Wei no pavilhão de verão da Serpentine, em Londres, logo apareceu um segurança para acabar com a festa da meninada.
Em Nova York, eles não tiveram o mesmo problema quando visitaram a exposição Century of the Child, no MoMA, que tratava justamente desse tema: o staff estava preparado para receber os pequenos. A uma hora de distância de Manhattan, eles se divertiram com as transparências da Casa de Vidro, de Philip Johnson, registrando-a em fotos engraçadas.
Mas não houve lugar mais divertido do que o Japão, principalmente pela diferença cultural. Perto de Tóquio, fomos ao Hakone Open-Air Museum, uma espécie de Inhotim, com esculturas interativas ao ar livre, que atraem um grande número de crianças. Além de obras de Picasso e Henry Moore, outros artistas foram convidados para criarem trabalhos interativos. Uma das mais interessantes é a de Toshiko Horiuchi, que se parece uma grande peça de Ernesto Neto, com a diferença de que nela você pode brincar.
Outro local semelhante que visitamos, no sul do Japão, foi a ilha de Naoshima. Ali há um museu com obras colecionadas por um publicitário. Da mesma forma que entraram na piscina da Galeria Cosmococa – de Hélio Oiticica, em Inhotim –, os meninos tomaram banho num spa junto às esculturas de Cai Guo-Qiang. De noite, no hotel projetado por Tadao Ando, antes do jantar, eles se divertiram correndo de roupão na cobertura oval.
Agora, o Pedro e o Felipe já são adolescentes. As viagens em família continuam, mas com outra graça, com uma percepção espacial diferente. Mas, vez ou outra, a infância ainda manda mensagens. Recentemente, por exemplo, visitamos o MAAT, em Lisboa, museu criado pela inglesa Amanda Levete. Ali, tivemos a oportunidade de ver uma obra da francesa Dominique Gonzalez-Foerster, uma das minhas artistas preferidas. Com som acolhedor e penumbra, a obra ocupava o espaço oval do museu com colchões, grandes bolas de pilates e redes. Por um instante, provocados pelo espaço, os dois tornaram-se crianças novamente e passaram a brincar.