Surpreendente e acolhedora: eu me sinto em casa e ao mesmo tempo curiosa como se estivesse começando uma expedição ao mundo do design na Maison & Objet, feira de mobiliário e de objetos funcionais e decorativos realizada em janeiro e setembro na grande Paris. A diversidade de estilos e produtos é estimulante. Isso sem falar no fato de em grande parte dos estandes encontrarmos os autores das criações ou os donos das marcas prontos a dar uma explicação breve ou nem tanto sobre os produtos, o que torna a visita à feira quase um passeio pela vizinhança para saber das novidades. E sempre há o que descobrir até em gastronomia na hora do lanche. Nesta edição, de 17 a 21 de janeiro, foram 600 marcas novas entre os 3 mil expositores de vários países a disputarem atenção. Há grandes grifes, mas também pequenas que não são encontradas em outras feiras. Esse é um dos charmes da Maison, que este ano teve cuidados extras, como curadorias até para pequenas instalações em destaque nos pavilhões.
O mapa em forma de uma copa de árvore com oito galhos ou pavilhões batizados com nomes explicativos separa à direita, a área Maison, organizada por estilos e, à esquerda, a Objet, por categorias de produtos. A estrutura facilita a compreensão e a organização e reduz as possibilidades de nos perdermos acidentalmente. Para chegar ao Parque de Exposições Paris Nord-Villepinte tem ônibus gratuitos da feira, metrô e aplicativos que funcionam muito bem para fazer o percurso que passa por Saint-Denis (dá até para espiar pela janela o Stade de France). A viagem leva perto de 50 minutos, conforme o transporte, claro.
Aprendendo com os jovens
Nesta edição, a Maison & Objet completa 25 anos. E o assunto central deste aniversário busca os códigos de consumo que têm a ver com a sua idade, mas certamente não foram escolhidos apenas por isso, mas pelo anseio de antecipar tendências de lifestyle. (RE) GENERATION! é o tema, focado nas gerações Y e Z, que incluem aqueles jovens que não lavam a louça em casa, mas querem se engajar em movimentos da limpeza das margens do rio de sua cidade, por exemplo. Valorizam a transparência e a procedência dos produtos que consomem. Nota-se que há muitas marcas que colocam o nome do país no estande para evidenciar sua origem.
Para marcar esta comemoração de boda de prata – expressão antiga, mas perfeita para identificar 25 anos de uma relação, neste caso da feira com os visitantes –, os seis Rising Talents eleitos para a edição de janeiro são todos franceses. Cada ano vêm de uma nacionalidade e representam uma janela para o futuro com suas experimentações e protótipos de objetos a móveis que mexem com o jeito de enxergarmos a casa. Os criativos que fazem parte das gerações sob os holofotes desta edição da feira são os jovens Adrien Garcia, Julie Richoz, Mathieu Peyroulet Ghilini, Natacha e Sacha, Wendy Andreu e Laureline Galliot.
Já o experiente Designer do Ano da edição de janeiro, Michael Anastassiades, radicado em Londres, foi escolhido por um júri e ele mesmo fez parte do corpo de jurados que escolheu os jovens e promissores talentos. Ambos, Rising Talents e Designer do Ano, merecem sempre espaços especiais na feira.
Vale referir que há uma programação paralela de conteúdo, enfocando desde a obra do Designer do Ano até as gerações que levaram ao tema da feira. E, do lado da exposição de produtos, este ano teve uma novidade, um esforço de inclusão de novos criativos: uma área para mostrar talentos da China com identidade própria, em uma parceria da Maison & Objet com empresas e entidades como Chaoshang International Trading e a Academia Central de Belas Artes de Beijng que resultará em um concurso, cujos ganhadores serão apresentados na edição de setembro da Maison, nas categorias de design de produto, de interiores e talentos emergentes.
Tendências dão o tom: cores, formas, materiais e inspirações do momento
Ninguém precisa abandonar a certeza de elegância dos cinzas e beges, mas se até a Fendi Casa adotou outras cores junto dessas nas propostas apresentadas, é bom pensar pelo menos em pinceladas pontuais. Pena que era proibido fotografar dentro do estande. Acompanhada todo o tempo durante a visita, muitas informações foram compartilhadas, mas nem uma tomada geral foi autorizada para mostrar toda a composição do décor. Mas temos fotos dos móveis fornecidas pela grife.
Voltemos às cores: eu me referia específica e somente, no caso da Fendi, a azul-marinho, laranja/tijolo, marrom e a composição preto e ... fendi, claro. Acabamentos de metal, formatos orgânicos e circulares nos móveis, mas linhas retas no jantar e na geometria dos tapetes. Além da surpresa da importância de uma paleta muito além do tom que dá o nome à Fendi Casa, os materiais impressionam, principalmente couros de uma maciez inacreditável, com estampas discretas em roupas de camas, por exemplo, criadas a partir do logotipo. Padrões mais marcantes, nos estofados, são conectadas aos grafismos dos tapetes. Texturas e acabamentos à mão conectam a marca a uma grande tendência: o artesanal elevado a um nível de luxo.
Podemos dizer que os tons secos do outono predominam na feira, mas há também a alegria do verão, principalmente no caso das marcas que já transitam por uma paleta de cores mais rica, como a italiana Seletti. Entre os terrosos outonais, estão incluídos o rosa, é bom ressaltar, e o amarelo-queimado. O branco diz presente principalmente nos estofados, apresentados em grande parte em formato de meia-lua e dispostos de forma circular no ambiente, o que não é novidade.
Cores e estampas são companhias garantidas nos tapetes, cada vez mais ousados também nas formas e temáticas. Um exemplo desse movimento é a CC Tapis, empresa de tapetes contemporâneos feitos no Nepal por artesãos especializados. Fundada na França, a empresa hoje está sediada em Milão. De inspiração na temática espacial dos retrô-futuristas anos 1980, o Studio Milo havia criado para a CC em 2019 uma proposta inclusive para o estande que, a exemplo deste 2020 em Paris e na próxima feira IMM de Colônia, de 13 a 19 de janeiro na Alemanha, é feito com material reciclável e esse clima sutil de ficção científica. As coleções da marca mostram ainda tapetes de formatos orgânicos inspirados nas penas dos pássaros, em mosaico de azulejos, experimentos na criação de pedras fake e até uma cortina teatral.
Mas os tons naturais em formas sinuosas têm seu espaço na CC Tapis. Mae Engelgeer trabalha com a verdade de fios não tingidos de lã das ovelhas do Himalaia: “Nesta versão calma dos tapetes Bliss, mostro meu apreço pela beleza da natureza”.
Materiais, formas e influências
No quesito belezas naturais, as fibras são um capítulo especial. Cada vez mais presentes na Maison & Objet dos dois últimos anos, servem para fazer de móveis a luminárias rústicas com a delicadeza do trabalho manual.
Em estandes projetados com arcos por todo lado na estrutura do espaço e nos produtos, as luminárias inspiradas no sol e na lua, referências recorrentes, mostram as possibilidades de criação a partir de outros elementos da natureza. Pedras, em grande parte, mármores, compõem pequenos móveis e acessórios, misturadas a metais. As linhas da arquitetura moderna como a de Oscar Niemeyer junto com os hits do estilo art déco dizem presente inspirando móveis e acessórios, como espelhos e bares, em peças geralmente com um toque contemporâneo de mistura de materiais que não faziam parte do vocabulário das vertentes originais. Franjas em luminárias e até móveis fazem referência direta a um adorno de decoração e moda usado nos anos dourados do estilo, 1920 e 1930.
Não poderia deixar de falar dos tecidos e das porcelanas. Nos primeiros, tons crus com muita textura ou estampas inspiradas na natureza, claro, são os mais sedutores. Nesse quesito, Missoni Home sempre dá um show. Olhe nas fotos. E, nas porcelanas, Portugal é um dos destaques: vai das tradicionais Bordallo Pinheiro e seus objetos figurativos de cair o queixo e Vista Alegre, com linhas assinadas por grandes nomes do design e da moda, até a estreante Nosse, que escolheu a Maison & Objet para lançar a marca. Moroso não é estreante, mas a grife italiana está retornando à Maison & Objet com seus móveis assinados por Patricia Urquiola e outros renomados designers em um estande duplo. Linhas curvas, tons suaves, mas coloridos em sofás, cadeiras e mesas orgânicas com a identidade da marca.
Esta viagem quase interminável – porque a Maison & Objet vai do décor à moda, passando pela joalheria e a arte (e interessa a designers, arquitetos, lojistas, fabricantes e produtores de conteúdo) – chega ao fim. É muita criação para conhecer, contemplar ou comprar. Mas temos que eleger o que mais interessa para ver e relatar. Feira é assim, exige curadoria.
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Foto de destaque:
GeralSeletti (crédito: Eleone Prestes) - A feira conta com grifes consagradas como a italiana Seletti e pequenas marcas que ousam nas propostas e deliciam os visitantes