Carismático, envolvente, sedutor e muito à frente do seu tempo. Assim eu descreveria o grande amigo, arquiteto e urbanista, Sergio Bernardes.
Conheci Sergio quando eu ainda cursava a faculdade de arquitetura. Ele ensinava a sonhar, não apenas a mim, mas a toda uma geração de arquitetos. Sonhar sem medo, com liberdade total, com todos os sentidos abertos, captando, percebendo e absorvendo tudo ao redor. Seus projetos também mexiam com nossos sentidos, abriam partes do cérebro nunca antes acessadas, nos fazendo viajar em seus devaneios e ideias, sempre defendidas com brilhantismo e muito entusiasmo. Era um personagem excepcional.
Brilhante, ele aparecia diferente dos outros. Sua presença era sempre muito marcante, definida, clara e envolvente. Assim também eram seus projetos.
Com seu carisma inigualável, Sergio tinha o poder de fazer com que você se sentisse imediatamente íntimo e ligado a ele. Seus sonhos eram tão fortes e empolgantes, tão entusiasmantes, que, quando explicava um projeto, ele se tornava irresistível, mesmo que sua viabilidade fosse complicada, difícil ou até inexequível para a tecnologia disponível no momento.
Quando eu estudava urbanismo em Paris, onde ele estava tentando vender aos franceses o seu projeto para o Hotel Tropical – coberto por uma cúpula geodésica – , tive com ele um convívio mais intenso. Muitas vezes passeamos descompromissados pela cidade; ele sempre tinha um olhar especial sobre as coisas.
Muito ligado ao futuro, à tecnologia, à novidade nas suas propostas, Bernardes vivia à frente do seu tempo. Acredito até que, por conta do seu espírito livre e de sua liberdade intelectual ele tenha se afastado um pouco da realidade nos seus projetos e devaneios.
O LIC –(Laboratório de Investigações Conceituais), idealizado por ele, nasceu com o objetivo de desenvolver estudos e pesquisas sobre os mais diversos temas. Formou na Barra da Tijuca um escritório lindo, enorme, sempre aberto à toda comunidade arquitetônica.
Naquela nova fase, entendo que ele fez propostas sem se preocupar com a viabilidade das mesmas, como quem faz um exercício intelectual de prospecção, de futurologia, tão utópicas e pouco realizáveis, mas tão bonitas e sempre cheias de conceitos.
Um de seus projetos executados que classifico como excepcional foi o pavilhão do Brasil na Expo de Bruxelas, em 1958. Além da perfeição da obra como um todo, o balão de gás hélio que pairava acima da cobertura do edifício chamava especial atenção. Em dias bonitos, o balão flutuava no céu, deixando espaço para a luz e o calor alimentarem o jardim central, projetado por Burle Marx. Nos dias de chuva e frio, o balão era recolhido, cobrindo o vão central.
Um dos últimos projetos de Sergio, sobre o qual me explicou com muito entusiasmo, foi o de uma cidade na Antártida toda coberta por imensas asas-deltas, que durante o inverno permaneciam imóveis e no verão, decolavam, possibilitando à cidade ficar a céu aberto. É uma narrativa tão bonita que transcende o imaginário e não abre espaço para perguntas. Não interessava a viabilidade da proposta, o sonho era mais forte, era mais vibrante, era mais interessante que a realidade.
A história que talvez mais caracterize o Sergio tem início trágico, mas final jubiloso. Trata-se de um assalto em sua residência, em que o ladrão em si é conquistado pela lábia generosa e humana do arquiteto. Enfim amigos, o filho do ladrão passa a trabalhar com Sergio, se recuperando também das drogas. Sergio, não tinha nenhuma barreira, ele tinha uma capacidade de transmutação energética fora do comum.
Seu acervo, ainda não publicado, há de ser algum dia resgatado e as pessoas vão poder realmente perceber a grandeza do seu pensamento, da sua visão profissional. Sergio extrapolava arquitetura e urbanismo, ele partia para um universo muito mais forte, amplo, fascinante e envolvente.