O alagamento de vias urbanas é uma realidade frequente nas nossas cidades e, embora especialistas estejam atentos às mudanças climáticas e proponham soluções técnicas para lidar com o problema, o poder público pouco executa: realiza reparos e prevê medidas paliativas até que a próxima chuva ocorra, trazendo mais prejuízos financeiros e, em casos extremos, vidas que são perdidas.
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As chuvas torrenciais, que acontecem em grandes volumes e em pouco tempo, são uma realidade inevitável, tornando-se mais frequentes e devastadoras com as mudanças climáticas globais.
Os cursos d’água foram canalizados ao longo de muitas décadas, especialmente para dar lugar a grandes vias de circulação e aproveitamento imobiliário dessas áreas: uma combinação desastrosa! Não há solução enquanto o processo de urbanização supervaloriza o concreto e o automóvel. Essa é uma dinâmica comum nas cidades brasileiras, lendo esse artigo você pode se identificar com eventos parecidos onde você mora e, aqui em Uberlândia (MG), a situação não é diferente.
Antes de tudo é preciso compreender o território urbano, o problema não está somente no ponto de ocorrência. À medida que observamos pouca ou nenhuma área verde para absorver e retardar a velocidade e volume de água até o leito do córrego ou rio, a ocupação urbana e a impermeabilização do solo em toda a área da bacia impactam os alagamentos.
Pensar em um modelo de cidade que priorize o controle de uso e ocupação da terra e valorize a preservação de grandes áreas verdes é contrariar interesses do capital, onde a gestão da terra está concentrado nas mãos de agentes dominadores do mercado que lucram com a especulação imobiliária: um reflexo do desequilíbrio ambiental, social e financeiro.
Os alagamentos são o reflexo de uma crise muito mais ampla, estamos falando do desequilíbrio ambiental, social e financeiro das nossas cidades. Encarar essa questão é pensar um outro modelo de cidade, que priorize o controle de uso e ocupação da terra e valorize a preservação de grandes áreas verdes.
Mas uma mudança efetiva contraria interesses poderosos, afinal a terra está concentrada nas mãos de poucos agentes que dominam o mercado e lucram com a especulação imobiliária. Quando a terra é, antes de tudo, uma mercadoria, vale a exploração máxima do território em busca de lucro. Nessa dinâmica não há espaço para preservação ambiental, para áreas livres e para regulação da expansão urbana.
Embora não falte legislação acerca do tema (estatuto da cidade, planos diretores), as cidades brasileiras continuam sendo território de disputa pelas melhores localizações. Soluções técnicas como sistemas de alerta ou lagoas de contenção, por exemplo, podem minimizar os impactos, mas estão longe de colocar fim à destruição.
A realidade dos municípios brasileiros é de ter poucos recursos financeiros para muitas demandas. Então, o que norteia as escolhas de aplicação deste dinheiro? Obras de melhoria urbana são necessárias, mas você já notou a quantidade de viadutos que surgem próximos a grandes empreendimentos ou em períodos de campanha eleitoral? Primeiro, porque priorizam a lógica do automóvel; segundo, porque geram visibilidade para seus agentes e, por fim, porque impactam no valor da terra.
O valor do solo urbano está diretamente ligado aos investimentos públicos realizados em cada área e, por consequência, esses investimentos estão atrelados a interesses políticos e empresariais. Os mesmos que canalizaram cursos d’água para construir generosas avenidas no passado, hoje se empenham em vender obras paliativas para atenuar o problema.
Mesmo que leis e planos diretores sejam elaborados priorizando interesses coletivos e levando em consideração a preservação da natureza, na prática são as obras públicas que direcionam o processo de urbanização. E na escolha por investir os recursos em determinadas obras perpetua um modelo de cidade falido.
A ideia de que desenvolvimento está vinculado ao crescimento desordenado e dominação da natureza está mais do que ultrapassada. O desenvolvimento urbano sustentável precisa considerar o equilíbrio entre o território e a ação humana, com respeito à paisagem natural e garantindo qualidade de vida a longo prazo. Com a proteção de áreas de preservação ambiental e aumento da permeabilidade do solo (praças, parques, canteiro, pavimentação permeável).
É preciso garantir que a água seja absorvida pelo solo ao invés de escoar até chegar nos pontos mais baixos da cidade. Não é um trabalho simples, afinal a cidade já está consolidada, mas com esforços direcionados é possível melhorar a situação e deixar de despejar dinheiro repetidamente em paliativos.
Os esforços pontuais em todas as escalas de arquitetura, urbanismo e paisagem são muito importantes, pois, mesmo que pequenos, fazem parte do território urbano e o impactam. É nosso papel propor bons projetos, que tomem partido de soluções que minimizem os impactos das chuvas, permitindo o escoamento das águas de forma natural, retardando sua velocidade: cisternas, telhados verdes, áreas ajardinadas, pisos permeáveis, etc.
Para uma transformação efetiva é preciso que as cidades tenham uma relação mais equilibrada com a natureza, quando a terra deixar de ser sinônimo de lucro. Será no campo da luta política. Cidade é disputa.