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Grécia de braços abertos

Foto: Pedro Andrade

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Quando era criança, achava que seria biólogo marinho. Depois tive vontade de ser piloto de avião, diplomata, fotógrafo da National Geographic e guia turístico. Na verdade, estava disposto a fazer qualquer coisa que me permitisse viajar. Por ironia do destino, a profissão que concretizou esse meu eterno desejo foi a de modelo. 

Nunca fui o galã da escola e a ideia de ganhar a vida nas passarelas não passava pela minha cabeça mas, como muita gente a essa altura do campeonato já sabe, um dia, por acaso, fui abordado por Sérgio Mattos (um dos maiores agentes do Rio de Janeiro) e Mario Testino. Achei que era pegadinha. Eles disseram que eu poderia ficar rico... não acreditei. Famoso... muito menos. Ia viajar o mundo... imediatamente me propus a tentar. 

Apesar de ter sido um modelo relativamente insignificante, hoje sei que aprendi muito naqueles anos dedicados ao ofício. Saber lidar com porta na cara é obrigatório. São 30 castings para talvez conquistar um trabalho. Encarar rejeição com naturalidade foi algo extremamente útil na minha jornada. Ainda é. 

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(Arquivo: Pedro Andrade)

Quem pensa que modelo vive uma vida de glamour está redondamente enganado. Nada de primeira classe, suíte presidencial ou motorista na porta. Apesar de um certo desconforto, horas caminhando, filas intermináveis e quartos microscópicos compartilhados com gente de toda parte, esse cotidiano abre nossa mente para uma outra forma de encarar diferentes culturas. Nessa etapa da vida, aprendi que a arte de viajar não vem atrelada a pontos turísticos, mas sim, à curiosidade pelo aspecto humano de cada lugar.

Minha primeira parada foi a Grécia. Naquela época, modelos iniciantes que precisavam de editoriais no book iam para Atenas. Eram outros tempos. Ao longo da última década, revistas e passarelas foram substituídas por Instagrams e TikToks.

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Sempre gostei de História e Geografia, portanto, me ver no berço de boa parte dos pilares da nossa sociedade foi emocionante desde o primeiro minuto. Democracia, teatro, medicina, filosofia, olimpíadas; tudo começou ali.

Atenas não é particularmente uma cidade bonita mas, assim como São Paulo, é um centro urbano fascinante. São camadas e mais camadas de passado misturadas com um presente problemático e vivido. Desde minha primeira visita no fim dos anos 90, muito mudou. A economia do país passou por mais baixos que altos, uma crise migratória complicadíssima, problemas políticos e assim por diante. 

Algumas semanas atrás, tive o prazer de voltar à Grécia após um ano catastrófico para todos nós. 

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(Arquivo: Pedro Andrade)

Graças à pandemia, o turismo global quebrou. Anualmente, mais de quinze milhões de pessoas visitam a capital mais antiga da Europa, mas dessa vez me deparei com o oposto. Pouco se ouvia inglês. As ruas eram dos moradores. Apesar de os gregos precisarem de seus visitantes, estaria mentindo se não dissesse que o país fica ainda mais encantador vazio. Espero que isso tudo mude e que em breve todos possamos voltar a viajar sem restrições mas, de maneira egoísta, encaro essa experiência como um privilégio raro.

A comida grega é um espetáculo. Queijo feta, peixe fresco, tomates suculentos, vinhos deliciosos e até o café turco - que eles insistem em chamar de seu - se tornou um vício. 

Gastronomia grega (Arquivo: Pedro Andrade)

Assim como em Roma ou até mesmo Lisboa, basta olhar em volta para que a gente se dê conta de que estamos cercados por sinais da antiguidade local, do império otomano, cristãos ortodoxos, arte bizantina, mesquitas, igrejas, construções seculares e monumentos cheios de simbolismo.

Fiquei hospedado no New Hotel, um projeto imaginado, criado e concretizado pelos irmãos Campana. A localização é preciosa: de frente para a Acrópole e cercado por arte de rua, restaurantes autênticos e bares lotados. 

No dia seguinte, dei início à minha jornada pelas ilhas. Como bom carioca, o mar me abastece e toda vez que preciso de uma pausa, a água salgada me chama. Comecei por Santorini, um lugar marcado por tragédias, porém, um dos destinos mais românticos no planeta. Pesquisas mostram que 3.000 antes de Cristo já havia uma civilização extremamente sofisticada nessa parte do mundo. Os minoicos viviam da pesca, adoravam arte, eram agricultores de mão cheia e, lamentavelmente, foram totalmente dizimados por algumas erupções vulcânicas e terremotos. Esses desastres naturais foram responsáveis pelas estruturas rochosas gigantescas que viraram marca registrada da ilha. 

A lenda de Atlântida, um reino descoberto debaixo d'água, nasceu aqui. Mergulhadores do mundo todo vêm até Santorini admirar o que se esconde debaixo d'água. 

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Imagens da Grécia: Pedro Andrade

Oia era uma região relativamente desconhecida pelos visitantes até algumas décadas atrás. Nos séculos 17 e 18 esse local era repleto de cavernas onde alguns moradores da ilha viviam e outros armazenavam vinho. Em 1985 a visionária família Chaidemenos enxergou aquela parte abandonada com outros olhos. Construíram um pequeno albergue que acabou se tornando o Canaves Oia, na minha opinião um dos hotéis mais espetaculares da Europa. Hoje, os irmãos Markos e Alexandros, filhos do casal responsável por essa ideia, administram esse pequeno porém ambicioso império. Além das vistas espetaculares, o paisagismo, o atendimento e o design são referência no universo da hotelaria. 

Tenho muita dificuldade em lembrar de eventos detalhadamente, mas minha memória olfativa é poderosa. A Grécia é um país lindo, mas o cheiro do alecrim, da alfazema, das azeitonas, do peixe fresco e da maresia realmente faz com que hoje eu feche os olhos na minha cozinha e me sinta lá. Poucas culinárias são tão saudáveis e invariavelmente deliciosas quanto a grega. 

Depois de três dias nesse paraíso, cheguei a Mykonos, um lugar que já visitei algumas vezes. Famosa por suas festas megalomaníacas, a ilha estava vazia já que as fronteiras haviam sido abertas dias antes da minha chegada. Para evitar aglomerações, o governo decidiu proibir que estabelecimentos tocassem música... um silêncio nunca antes visto por essas bandas. Passear por aquele labirinto branco ao som dos locais varrendo a calçada, os sinos das igrejas, as ondas quebrando nas pedras, o bate-papo dos muitos gatos e as risadas de crianças saindo da escola, vai ser sempre uma recordação especial para mim. 

Apesar de muita gente associar Mykonos a noitada e house music, sugiro uma experiência diferente. Alugue um carro e visite cantos escondidos e inusitados. Destaco três lugares que para sempre vão habitar meus sonhos: Kiki's, Fokos e Tassos. São três tavernas totalmente diferentes, porém com dois detalhes em comum: ficam localizadas em praias paradisíacas e não perdem tempo com cardápios. Come-se o que foi pescado no dia, e no meu caso, também bebe-se uma cerveja gelada.

Passei os últimos dias da viagem em Paros, um lugar com uma bagagem arqueológica riquíssima, vinícolas intermináveis, cerâmica da melhor qualidade e uma comunidade medieval deslumbrante chamada Lefkes. Fiquei hospedado em uma preciosidade de hotel chamado Parilio, que me remete aos filmes do diretor italiano Luca Guadanino - ou seja, uma elegância minimalista impecável sem grandes ostentações. 

Como tenho o privilégio de já ter visitado mais de sessenta e cinco países, continuar me apaixonando por lugares novos é um exercício constante. É fácil cair na armadilha de comparar a beleza de uma cidade com a história de outra, mas, aprendi que cada destino tem seu encanto e essa competição é absolutamente inútil. Ainda assim, há lugares que nos marcam de uma forma mais visceral.

Costumo dizer que certos locais mudaram minha vida, no entanto, não preciso voltar. Às vezes porque não quero diluir a primeira impressão, às vezes porque uma visita basta. Por outro lado, há aqueles países que com certeza pontuarão meu futuro. A Grécia é um deles. 

O tchau aqui sempre vai ter gosto de até breve. 

τα λέμε αργότερα
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(Arquivo: Pedro Andrade)
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