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Fachadismo: entre aparência e essência na arquitetura

Sabe aquela pessoa que parecia ser incrível, mas na verdade não era? Ou então aquele prato que não aparentava ser apetitoso, mas que tinha um ótimo sabor? Essas situações de “parece, mas não é” ajudam a entender o fachadismo, um conceito da arquitetura que vale a pena conhecer por fora e por dentro.

Se existisse uma propaganda para as obras em que o fachadismo é aplicado, ela com certeza teria o jargão “sempre uma surpresa diferente para você”. A frase, que mais lembra a revelação de um brinquedo dentro de um Kinder Ovo, tem tudo a ver com essa prática arquitetônica.

Tal como um brinquedo dentro do ovinho de chocolate, o fachadismo pode trazer tanto algo surpreendente quanto desagradável. Neste artigo, descubra o que há entre a aparência e a essência dessa técnica, seu propósito e quando ela deve ser utilizada!

O que é o fachadismo?

Companhia SudAmericana de Transporte de Vapores, no Chile, tem sua sede erguida dentro de uma fachada com estilo totalmente oposto (Foto: Humero Simpson/Wikimedia)  
Companhia SudAmericana de Transporte de Vapores, no Chile, tem sua sede erguida dentro de uma fachada com estilo totalmente oposto (Foto: Humero Simpson/Wikimedia)  

O fachadismo é uma prática adotada na arquitetura com o intuito de preservar obras históricas. Porém, ao passo que ela tem um ótimo objetivo, na prática, as coisas podem se revelar bem diferentes. Ou seja, boas intenções nem sempre culminam em grandes realizações.

O que a técnica realiza é a modificação parcial ou total do interior das obras. Na maioria das vezes, a única parte da estrutura que fica da obra original é a fachada — por isso o nome que remete a algo “de aparências”.

Ou seja, enquanto a fachada pode ser de uma construção centenária, carregada de símbolos e histórias que atravessam civilizações, o interior pode ser atual. É aí que mora a contradição entre manter aparência original do lugar e, ao mesmo tempo, descaracterizar seu interior ao ponto de apagar parte de sua história.

De fato, perde-se a essência para se manter a aparência?

Ruas do Pelourinho, em Salvador, tomadas por comércios instalados em antigas construções apenas com fachadas revitalizadas e, do lado direito, uma igreja em reforma (Foto: Eduardo Pelosi/Flickr)
Ruas do Pelourinho, em Salvador, tomadas por comércios instalados em antigas construções apenas com fachadas revitalizadas e, do lado direito, uma igreja em reforma (Foto: Eduardo Pelosi/Flickr)

Nessa técnica, é bem possível encontrar uma obra com fachada da época do Renascimento e um interior altamente contemporâneo. Claro que é estranho; por isso o fachadismo é tão discutível no meio arquitetônico. O que exige que se coloque à mesa seus prós e contras antes de ser aplicado.

Outro ponto questionável dentro dessa técnica é que, muitas vezes, investidores e construtoras se aproveitam para vender obras de aparência para lucrar em cima delas.

Como o fachadismo tem um apelo estético e histórico forte, atrai olhares de turistas ou mesmo de pessoas que querem adquirir construções antigas. Contudo, o que muitos desses potenciais compradores não sabem é que podem colocar dinheiro no famoso “gato por lebre”.

Essa prática não é regra para as “obras de fachada”, mas mostra que há gente que faz essa ação apenas para lucrar com a venda ou o turismo. Ou seja, nesse caso, literalmente, coloca-se o capital na frente do valor real. E aí, não há essência que resista a esse impacto de descaracterização.

Quando o fachadismo é uma opção viável?

Arenas de Barcelona foi inaugurado em 1900 para touradas, e hoje é um shopping center, que preserva quase que a totalidade da obra original (Foto: Felix König/Wikimedia)
Arenas de Barcelona foi inaugurado em 1900 para touradas, e hoje é um shopping center, que preserva quase que a totalidade da obra original (Foto: Felix König/Wikimedia)

Quando necessário, planejado e executado, o fachadismo rende, além de um projeto que mantém a essência do local, mais funcionalidade e segurança.

Edifícios que estejam praticamente condenados — ou seja, com sua estrutura danificada seriamente, colocando vidas em risco — devem passar por essa técnica. Ou seja, o fachadismo é uma prática que deve ser adotada em última instância.

Para além da preservação parcial de uma obra que merece relevância, a reconstrução deve oferecer outros atributos atuais. Segurança, acessibilidade e sustentabilidade são alguns dos quesitos que regem obras atuais e garantem mais longevidade ao projeto.

Toda essa adaptação às novas tecnologias e leis não é à toa, já que exige que uma obra continue a oferecer uma ótima experiência por muito tempo.

Quais são os principais exemplos de obras com o fachadismo?

Pelo Brasil e pelo mundo, há vários exemplos de construções que fazem da fachada seu mote principal para atrair olhares e conservar espaços, nem que só frontalmente.

Cine Pireneus

Pouco restou do teatro original de Pirenópolis, em Goiás (Foto: Elaine Rodrigues/Flickr)
Pouco restou do teatro original de Pirenópolis, em Goiás (Foto: Elaine Rodrigues/Flickr)

O Cine Pireneus é um cinema clássico da cidade de Pirenópolis, em Goiás, construído em 1919 como um teatro originalmente em estilo neoclássico.

Em 1936, o local passou por uma reforma estrutural que, além de entregar um interior adaptado para ser um cinema, teve sua fachada alterada para o estilo art déco.

Ou seja, nesse caso, até a própria fachada original foi modificada, eliminando o que existia de vestígios de uma época.

Pelourinho

Extensão de casas no Pelourinho que foram se transformando em atrativo cultural com os anos (Foto: Leandro Neumann Ciuffo/Flickr)
Extensão de casas no Pelourinho que foram se transformando em atrativo cultural com os anos (Foto: Leandro Neumann Ciuffo/Flickr)

O Pelourinho, bairro de Salvador famoso por concentrar uma riqueza cultural que conta em detalhes a história do Brasil Colônia, é um exemplo vivo de fachadismo. Muitas das construções locais — com exceção de igrejas tombadas como patrimônio — têm apenas a fachada original.

Manter a fachada para conservar o aspecto total dos edifícios é uma forma de atrair turistas que vão passar pelo local e garantir fotos. Porém, no interior da maior parte das casas com fachadas de época, funcionam comércios, restaurantes e outros estabelecimentos, incluindo moradias atuais.

Hearst Tower

Hearst Tower une de maneira harmônica o antigo e o atual, com o trabalho crítico do arquiteto Norman Foster (Foto: Mike Legend/Visual Hunt)
Hearst Tower une de maneira harmônica o antigo e o atual, com o trabalho crítico do arquiteto Norman Foster (Foto: Mike Legend/Visual Hunt)

Em Manhattan, há um bom exemplo de fachadismo, com mais critério e atenção voltada a aproveitar o melhor do que foi construído em uma fase da cidade.

A Hearst Tower é um exemplo do perfeito equilíbrio entre o antigo e o novo. O local une a base de um prédio que nunca foi concluído, feito nos anos 1920, com a tecnologia empregada por Norman Foster. O arquiteto é conhecido por suas linhas futurísticas e obras que privilegiam o meio ambiente.

O local ainda é vanguardista por ter sido o primeiro prédio do tipo “verde” da cidade de Nova York, já que conta com sistemas de preservação ambiental.

Apesar de toda a controvérsia por se adotar o fachadismo, o estilo evidencia algo que é necessário em qualquer sociedade: preservar sua memória e, consequentemente, sua essência.

O ponto de equilíbrio do fachadismo é sempre oferecer o melhor dos dois mundos. Assim, uma parte da obra mais antiga pode ser perdida por razões técnicas e de segurança. Enquanto sempre caberá à nova construção fazer com que a fachada e o restante do conjunto sejam preservados pelo máximo tempo possível.

Aproveite para ler o nosso artigo sobre o Palácio Rio Branco, em Salvador, que deve virar um hotel!

Destaque: Fachadismo presente no Novotel da capital da Romênia, Bucareste (Foto: Olahus1/Wikimedia)

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