Um galpão amplo de pé-direito duplo, paredes brancas e muita luz natural. Sofás, poltronas, tapeçarias, luminárias… Cada peça criteriosamente disposta como obra de arte em um museu.
No andar de baixo: caixas, sacolas e pilhas de materiais de diversos tipos, de todas as cores e texturas, organizados de forma orgânica, intuitiva. Trabalhos em diversas fases de produção, experimentos e protótipos in progress. Criações surpreendentes, traduzidas pela maestria das mãos de colaboradores longevos, quase parte da família.
É nesse ambiente de contemplação e slow craftmanship que Fernando e Humberto Campana, os designers brasileiros mais prestigiados do mundo contemporâneo, dão forma às suas criações nada previsíveis, cheias de cor, texturas e volumes, frutos de seus sonhos, viagens pelo mundo ou da simples observação de cenas banais do cotidiano.
Os irmãos, nascidos em Brotas, interior paulista, trabalham juntos há 37 anos. Quem conhece a história, sabe que o sucesso não foi uma conquista fácil.
Humberto, mais velho, formou-se em direito no Largo São Francisco, mas nunca exerceu a profissão. Em plenos anos de ditadura militar, depois de uma temporada na Bahia onde aprendeu artesanato, voltou a São Paulo para fazer esculturas em ferro. Fernando, oito anos mais novo, assim que se formou em arquitetura, aceitou o convite de Humberto para ajudá-lo naquele ofício.
Eles começaram a criar peças em ferro e, a partir delas, desenvolveram uma série de cadeiras-escultura que deram origem à primeira exposição da dupla, em 1989, intitulada Desconfortáveis, sob a curadoria de Adriana Adam.
Coleção Desconfortáveis
No início dos anos 1990, como não tinham acesso à indústria, a dupla passou a criar cadeiras, mesas e sofás a partir de materiais do cotidiano, como papelão, plástico bolha, mangueira, ralos e corda. Faziam tudo com as próprias mãos, transformando de forma eclética objetos de uso comum em peças de design. Fernando e Humberto são os verdadeiros precursores da prática de “ressignificar” materiais - começaram a fazê-lo mais de trinta anos antes dessa expressão ganhar as ruas.
Plástico bolha
Papelão
Mas, apesar de toda a capacidade e inspiração, por anos seus produtos não foram compreendidos pelo público. Era já 1998 quando Fernando e Humberto estavam a ponto de fechar o estúdio e desistir da atividade, quando Paola Antonelli, curadora de design do MoMA - Museu de Arte Moderna de Nova York, quem havia lido sobre o trabalho, os convidou para uma exposição junto com o designer alemão Ingo Maurer. Naquele mesmo ano, Massimo Morozzi, fundador da Edra, procurou a dupla para colocar em linha a Cadeira Vermelha.
Vermelha
A partir daí as portas do design industrial internacional se escancaram para os irmãos Campana e os permitiram levar toda sua criatividade e ecletismo mundo afora.
Além de Edra, passaram a trabalhar com outras marcas premium da indústria italiana, incluindo Alessi, Magis, Fontana Arte… E foram expandindo.
Mais de 30 anos após essa grande virada da dupla, são inúmeras as marcas de design internacional com as quais eles já colaboraram. Inesquecíveis as luminárias criadas com fragmentos de cristal de Murano para a Venini, os ladrilhos hidráulicos para a Bisazza, os revestimento de madeira prensada laminada para a Alpi, a luminária Fungo em madeira e cristal soprado para a tcheca Lasvit…
Luminárias Fragments
Luminária Fungo
Com várias marcas a colaboração é contínua e longeva. Desde 1998, a italiana Edra edita da Itália para o mundo ícones da dupla, como as poltronas Vermelha, Favela e Corallo, os sofás Boa e Cipria e a coleção de mesas e luminárias Brasilia. Para a francesa Louis Vuitton, Fernando e Humberto desenham peças para coleção Objets Nomades desde seu lançamento em 2012, quando apresentaram seu famoso Maracatu feito com as sobras de couro da produção de bolsas, em composições cromáticas inspiradas nas frutas brasileiras. A família de mobiliário nômade da Vuitton com assinatura Campana cresce a cada ano, tendo sido acrescida em 2022 da versão maxi do sofá Bomboca e os novos pufes Merengue.
Corallo
Cípria
Maracatu
Bomboca (New 2022)
Merengue
Já com as galerias Friedman Benda em Nova York, Carpenters Workshop em Londres e Firma Casa em São Paulo, a dupla trabalha há mais de 20 anos desenvolvendo trabalhos em seu ateliê. Ganharam as mídias e os projetos de interiores mais incríveis mundo afora as coleções Sushi, Bolotas, Pirarucu, Capacho, Transplastic e Transwood, só para citar algumas.
Capacho
Bolotas
Este ano, a dupla apresentou a coleção Metamorfosi, sua primeira colaboração com Paola Lenti, uma marca que trabalha com materiais high-tech, famosa por suas incríveis combinações cromáticas. Com ela, aliaram seu processo criativo com a produção industrial sem perder o DNA Campana.
Metamorfosi
“Foi um presente que a vida nos ofereceu. No início de 2021, a Paola nos contatou, propondo trabalhar com os descartes do processo produtivo da marca. Ela nos mandou três caixas de restos variados de materiais incríveis e o processo começou assim, sabe? (…) Desfiamos tudo, criamos retalhos e, com eles, novos padrões, misturando muitas cores, que viraram um novo material”, disse Humberto em entrevista exclusiva para a Elle Decoration Brasil. “Eu sempre quis trabalhar com uma marca que se comunicasse globalmente para contaminar outras empresas, mostrar que nosso trabalho de ressignificação dos materiais pode ser feito em grande escala. Isso é bacana. Fazer a economia circular numa empresa de repercussão global.”
E assim os incríveis Fernando e Humberto seguem mostrando ao mundo a força de sua criatividade e o ressignificar autêntico de materiais através de seu trabalho.