Imagine uma grande tigela redonda repleta de água. O ambiente está calmo e a superfície está lisa. Uma gota d’água cai com força, gerando uma sequência de ondas concêntricas a partir da pulsação provocada pela gota. Um segundo depois, em outro ponto da superfície, mais uma gota cai. As novas ondas começam a se intercalar com as primeiras, e o conjunto se distorce reciprocamente. Uma terceira gota torna a reação mais complexa, e assim por diante.
Seria difícil e trabalhoso transpor para o papel ou para um modelo tridimensional o resultado das linhas ondulatórias na superfície aquosa. Mas é possível, em alguns minutos, simular esse movimento digitalmente, inserir um novo ponto de tensão, observar o resultado, torná-lo estático ou colocá-lo novamente em curso, a qualquer momento. Esse é apenas um exemplo de como podem funcionar sistemas computacionais que estão alargando o campo de possibilidades de projetos para designers e arquitetos – em especial softwares de desenho paramétrico como o Grasshopper. Em vez de partir de uma linha fixa, esses desenhos paramétricos, ou generativos, baseiam-se em pontos definidos por coordenadas. Quando os parâmetros sofrem modificações, essas reverberam automaticamente no todo.
“As formas geradas digitalmente têm imprevisibilidade e complexidade que seriam inconcebíveis sem o uso do computador”, diz Andrea Macruz, do estúdio nolii, uma das criadoras que vêm explorando mais consistentemente, no Brasil, os novos caminhos possibilitados por tecnologias avançadas. Ela entrou em contato com as ferramentas digitais no mestrado em Arquitetura Biodigital realizado em Barcelona, após uma formação mais tradicional na disciplina pela Universidade Mackenzie. Hoje dedica-se principalmente ao design de produto e a transmitir suas pesquisas aos alunos da Belas Artes e do Istituto Europeo di Design, ambos em São Paulo.
Tanto a criação quanto a produção são beneficiadas pelas novas tecnologias. A primeira inclui softwares e plugins como o Rhino, Grasshopper, Phyton e scriptings (códigos de programação); a segunda se caracteriza por ferramentas de fabricação digital como impressoras 3D, máquinas CNC e braços robóticos.
Os projetos do nolii combinam esse instrumental com a observação aguda da natureza. Nos softwares é possível não somente reproduzir padrões naturais como modificá-los conforme a criatividade quiser. O comportamento de ciclones, ondas do mar, dunas de um deserto ou fissuras tectônicas são alguns dos padrões que de alguma forma já serviram à designer, sempre combinados a outros inputs, como transformar linhas curvas em linhas retas. Essas referências provenientes do mundo natural, segundo ela, aproximam as pessoas dos desenhos gerados no computador: “A tecnologia ainda é algo que assusta. A conexão com a natureza é interessante porque cria relações com fenômenos que o cérebro reconhece".
O interessante, para ela, é fazer com que analógico e digital, natural e artificial, dialoguem continuamente. A luminária c.as, baseada na espiral da íris do olho humano, foi desenhada no computador mas é produzida artesanalmente com tubos de plástico. A série de luminárias m.sa nasce de recortes a laser em uma chapa metálica mas sua forma tridimensional é definida manualmente por cada usuário – tal flexibilidade foi inspirada pelo movimento de propulsão das águas vivas, sua capacidade peculiar de expandir e contrair, alterando continuamente sua forma.
Algumas vezes, do mesmo modo que os desenhos seriam inconcebíveis fora do universo digital, eles também são impossíveis de produzir com meios analógicos. Um exemplo é a luminária m.us, de desenho complexo proveniente da fita de Möbius modificada pelo estudo de cavidades de conchas, que só pode ser materializado por impressora 3D. Outras vezes, o caminho é inverso. Certo dia, Andrea encontrou caída na calçada uma folha de árvore de formato intrigante. Percebeu que os filamentos ligados à nervura central saíam de um mesmo ponto em uma extremidade da folha e, gradualmente, iam se desencontrando no centro, para então se reencontrarem na outra extremidade. Mediu essa variação de distâncias e, munida de uma folha de papel, mimetizou o observado. Dobrou-a ao meio para criar o eixo da nervura central e, a partir dele, começou a dobrar cada lado do papel a partir de pontos com a mesmas distâncias da folha natural. Surgiu, assim, um origami cuja curvatura foi gerada naturalmente pelas dobras. Agora, ela irá escanear em 3D o objeto, batizado f.ly, para obter o desenho digital e eventualmente poder fabricá-lo com uma fresadora CNC.
As formas orgânicas, não ortogonais, complexas e dinâmicas ganharam um grande aliado com a emergência das tecnologias digitais – como já foi dito, tanto para serem idealizadas quanto para tornarem-se objetos físicos. Pouco a pouco, as coisas construídas vêm abraçando essas novas influências. O trabalho do nolii apresenta, assim, um belo vislumbre da estética do futuro.