Intempestivas arquitetas
Estudar, pesquisar, imergir no campo teórico de maneira afetiva são ações carregadas de outros tempos, incompatíveis com o ritmo do cotidiano de um escritório de arquitetura. Como dar conta de projetos, obras e formação teórica, para além do próprio campo de trabalho? Com a certeza de que o caminho seria expandir fronteiras, unindo o ensino e a prática de projetos, as inquietas e intempestivas arquitetas do Bloco B - Camilla Ghisleni, Gabriela Fávero e Júlia de Fáveri -, criaram o Bloco B Escola Livre de Arquitetura para atender à necessidade delas e de tantos outros que também acreditam na formação permanente e libertária.
“A Escola foi o meio que encontramos para extravasar o dia-a-dia de um escritório de arquitetura tradicional, nos permitindo um processo de projeto desacelerado, onde se pesquisa e investiga a arquitetura por meio da prática, onde há a possibilidade de travar diálogos, acessar outros públicos, se encontrar com a rua e arquitetar criativamente estratégias de enfrentamento aos problemas contemporâneos”, definem.
Para o trio, expandir fronteiras significa buscar por parcerias, colegas de profissão, artistas, engenheiros, atores do setor da construção civil. “Afinal, se estamos falando de ensino estamos falando dos conhecimentos que se somam ao nosso e que ganham sentido dentro de um universo humanista onde atua o arquiteto e urbanista”.
Em 2020, a arquiteta Luiza Coqueiro passou a integrar a escola e Camila Alba entrou como estagiária e colaboradora.
Escola experimental
A ideia é de uma escola em experimentação, que coloca em teste novos formatos, que promove o debate sobre o estudo de arquitetura, de correntes de pensamentos, modos de fazer, técnicas e temas atuais e não usuais. O sonho é de promover vivências por meio de ateliês de projeto, concursos, debater temas urgentes do nosso contexto urbano, social e político, extravasando a arquitetura, refletindo sobre o presente para pensar sobre o futuro.
Uma utopia, a exemplo do lendário Archigram, grupo inglês da década de 1960, citado por Gabriela durante a entrevista por telefone. Os projetos e ideias arquitetônicas do coletivo repercutiram mundialmente e redefiniram a maneira de entender e de lidar com a arquitetura.
Teoria + prática
Unindo teoria e prática, a escola também se transforma num suporte para o próprio escritório. “Bloco, escola e escritório, têm uma alimentação mútua, a prática do escritório é importante para fomentar as discussões e colocar em prática as reflexões”, comenta Gabriela, que é do interior do Paraná assim como Camilla. Júlia é de Florianópolis. As três jovens arquitetas são formadas na UFSC e seguem investindo na formação acadêmica. Gabriela faz mestrado e sua pesquisa parte da arquitetura de Lina Bo Bardi; Camilla é mestre em Urbanismo, Cultura e Arquitetura da Cidade, ambas pela UFSC; e Júlia desenvolve pesquisa em design de mobiliário na Escola de Artes Design e Fazeres Lab74.
Construindo o pensamento crítico
No manifesto da escola, as arquitetas escrevem que a base é a pedagogia libertária de Paulo Freire para entender “que toda pesquisa se faz pedagógica e toda autêntica educação se faz na investigação do pensar. Por isso, se configura como um espaço de trocas que fomenta debates necessários em nosso contexto. Uma escola que, ao mesmo tempo em que absorve as urgências do agora, arquiteta sonhos”.
As estratégias metodológicas criadas procuram provocar e envolver os alunos no processo de projeto e construção por meio de cursos teóricos e ateliês práticos. São cinco os pontos principais da metodologia de ensino: a relação com as urgências do agora; transdisciplinaridade; projetos aliados à prática construtiva; habilidade técnica X habilidade social e autonomia do aluno.
O Bloco B Arquitetura existe desde 2014 e já nasceu com foco no fomento do debate sobre desenho arquitetônico. Mas não só. Ministrar cursos e trazer nomes de referências para Florianópolis também estava no programa. “Nosso ímpeto era incentivar a construção do pensamento crítico, da autonomia e, principalmente, do debate, pois é nele que se calça a experiência de aprendizado e a troca de conhecimentos”, sustentam.
Em 2020, a escola foi oficialmente lançada, justamente nesse atípico ano que transformou as rotinas e a vida do planeta por conta da pandemia. O período de isolamento social com a quarentena serviu para refletir sobre as estratégias nas quais a arquitetura e a educação possam contribuir com o bem-estar social e espacial de todos. Com todas as mudanças e a imprevisibilidade, ainda assim foi possível realizar ações on-line.
Ações
No portfólio do escritório + escola, a lista de atividades inclui cursos sobre “Luis Barragán e a poética dos espaços”; com Gabriel Kogan sobre arquitetura contemporânea internacional; ações que relacionam arte e arquitetura como a Paralela realizada a partir de edital público; “Abandono é nosso negócio”, projeto que integrou a ação “100 em 1 Dia” realizada na cidade de Blumenau; oficina “Ruas Criativas” junto com o Coletivo MOB (Movimente e Ocupe seu Bairro), de Brasília; “Conversa de Porão”, ciclo para debater sobre arquitetura moderna a partir de obras em Florianópolis; Multirão Amocanto, revitalização desenhada junto com crianças da sede da Associação de Amigos do Canto da Lagoa, em Florianópolis.
Na era das lives, a linguagem foi uma opção para conversas online multidisciplinares e diversas sobre temas abrangentes como a “história por trás do projeto’, com escritórios de arquitetura e arquitetos convidados: Giz de Terra, Desterro Arquitetos, Pronto Reformas, além do coletivo Goma Oficina, de São Paulo, da Ingrid Etges, arquiteta do Instituto de Planejamento de Florianópolis e da Womma Engenharia, uma empresa de mulheres que atuam na construção civil.
O potente projeto “Vem por aqui: criando espaços mais seguros para mulheres” fechou o ano de 2020. O evento exclusivo para as pessoas que se identificam como mulher, para criar uma rede de diálogo e acolhimento foi realizado em parceria com o CAU/SC.
Programação 2021
“A agenda para 2021 será lançada em breve, num ritmo mais leve e prevê muito debate de projeto e arquitetura contemporânea. Fiquem atentos às redes sociais e ao site”, diz Gabriela.
Quem pode participar da Escola Livre de Arquitetura
Estudantes de arquitetura, arquitetas/os mais jovens ou recém formadas/os, entusiastas de arquitetura e urbanismo de outras áreas de atuação podem participar da escola, desde que interessados em conexão e troca, que busca sair da zona de conforto ou se aprofundar em um tema, se interessa pelo debate contemporâneo.
Muito legal! Só não entendi a preferência por arquitetos mais jovens! Não é pra promover o debate? Incluir?
Obrigado!