Durante cinco anos me dediquei a um projeto - do qual me orgulho muito - que me levava para lugares passando por transformações irreversíveis. Essas mudanças podiam ser políticas, climáticas, sociais ou econômicas. O conceito do programa girava em torno da ideia que nada é para sempre. Nem o bom, nem o ruim.
Tive o privilégio de visitar o Egito depois da Primavera Árabe, Mianmar após uma ditadura militar brutal que isolou o país por quase oito décadas, o boom econômico da Etiópia, as relações conturbadas do México com os Estados Unidos, a saída da Inglaterra da União Europeia e assim por diante.
O que hoje percebo com muita clareza é que não foram só esses destinos que mudaram. Eu mudei também.
Minha ideia do que é viajar evoluiu e se antes eu precisava estar em um avião (como esse onde estou agora) para me sentir desbravando o planeta, hoje enxergo isso de outra forma.
No fundo, no fundo, minha busca não era só pelo aspecto geográfico daquelas aventuras, mas sim, pelo ângulo humano.
Não trocaria por nada minhas memórias no Irã, no Japão, em Botsuana ou no Líbano. Serão sempre alguns dos meus países prediletos, no entanto, hoje me dou conta de que gastronomia, paisagens, tradições e natureza só abastecem metade do meu interesse; o resto tem que vir do povo. Eu gosto de gente. Sempre gostei.
Hoje vejo que viajar é muito mais que ir do ponto A ao ponto B. Viajar é abrir a cabeça para outras histórias, culturas, opiniões e perspectivas.
Um viajante nato é capaz de enxergar uma visita a outro bairro, uma conversa com o cozinheiro da padaria da esquina, um segredo ao pé do ouvido e um jantar à luz de velas como uma nova jornada.
Com isso em mente, decidi pesquisar o motivo por trás das características mais marcantes de muitos lugares. O japonês, por exemplo, é um povo meticuloso e perfeccionista. Um arranjo de flores feito em Tóquio, a arquitetura de Tadao Ando em Naoshina ou um sushi inesquecível em Osaka, têm algo muito forte em comum: o minimalismo. A cultura de um lugar vem atrelada ao aspecto humano daquele destino. Não dá para separar os dois.
A comida italiana não seria a mesma sem o estilo de vida do povo local. O mesmo pode ser dito sobre a religião no Marrocos, o design dinamarquês, a música brasileira e a pretensão francesa (ok... ok... francesa não, parisiense).
O fato é que para entender a essência de um país, a gente tem que mergulhar de cabeça nas comunidades que lá existem.
No ano passado, no auge da pandemia, me vi pensando nos meus próximos passos profissionais. Quando recebi um convite para trabalhar com a CNN, o maior canal de notícias do mundo, imediatamente sugeri que criássemos um programa sobre esse outro conceito de viagem. Um projeto que me permitisse uma exploração ainda mais profunda nessas emoções.
A emissora não titubeou. Acreditaram na ideia, demonstraram uma atitude absolutamente alinhada com a minha visão e me deram uma liberdade rara de se encontrar. Serei eternamente grato pela total confiança em mim.
Apesar do Entre Mundos ser uma obra autoral onde exerço o papel de apresentador e produtor executivo, uma atração como essa não nasce sem uma equipe talentosa e em sintonia.
A produtora DUO (criada pela Rogéria Vianna e pelo Fernando Andrade) foi responsável pela difícil tarefa de montar um time invejável capaz de suprir minhas expectativas.
Lembro bem da nossa primeira reunião - via Zoom, é claro. Expliquei a ideia e pedi encarecidamente que todos valorizassem a preciosidade que tínhamos em mãos. Me referia não só ao conceito, mas também à oportunidade de criarmos algo realmente único. Fiz questão de dizer que esse era o momento de ser criativo e ousar. Sempre tive vontade de trabalhar em uma série original onde cada episódio tivesse um DNA, uma cor, um som e um ritmo diferentes - para a minha sorte, a hora havia chegado.
Fazer televisão não é barato. É compreensível que canais, investidores e anunciantes se apeguem a um molde e fujam de grandes riscos enquanto buscam uma fórmula já testada. O problema com essa linha de pensamento é que copiar algo que deu certo, de cara tira a autenticidade da atração. Replicar um projeto é o equivalente a preencher uma "lacuna" já preenchida.
Para oferecer algo efetivamente inusitado, a gente tem que estar pronto para ouvir críticas, engolir decepções e lidar com "Notas Zeros".
No meu caso, meu compromisso sempre foi com o telespectador. Nunca acreditei em subestimar a inteligência de quem dedica o próprio tempo ao ato generoso de me assistir. A "dona de casa", o "universitário" e o "aposentado" são bem mais inteligentes e sensíveis do que muita gente imagina.
Exatamente por isso, decidi apostar em uma série leve que gerasse questionamentos, humanizasse manchetes e incentivasse conversas relevantes. Seria impossível atingir esse objetivo mostrando apenas as melhores lagostas de Cape Cod. Prefiro entender o estilo de vida dos pescadores, que abrem mão da convivência com suas famílias para se dedicar a uma rotina cruel, porém necessária.
Nesse projeto, tive o privilégio de mergulhar no universo impenetrável dos judeus ultraortodoxos, observar paralelos entre indígenas americanos e brasileiros, me apaixonar pelas escolhas de pessoas que largaram tudo para viver numa van, me solidarizar com a comunidade asiática em um período tão cheio de xenofobia, brindar as recentes conquistas de profissionais do sexo e, até de fumar maconha pela primeira vez na vida (no Oregon, onde a prática é 100% legalizada).
O resultado final não seria o que é sem a contribuição fundamental do meu diretor e cinegrafista Gustavo Nasr. Ninguém entende meu olhar como ele e qualquer mundo é mais interessante por via de suas lentes.
Apesar de ter aprendido muito com a contribuição dos nossos convidados, talvez a maior lição dessa experiência tenha sido que mudanças são tão indigestas quanto necessárias... No meu caso, estamos falando de um projeto novo, em uma emissora diferente, com uma atitude ambiciosa, após o mundo virar de cabeça para baixo e, isso tudo, em um momento pessoal transformador.
No fim das contas, apesar de todos os altos e baixos, completo essa etapa da minha vida com uma certeza: o melhor da gente nunca está em um lugar só, mas sim, Entre Mundos.