Em busca da forma
Os bons designers têm uma compreensão do mundo que nos rodeia e sabem como compartilhar suas ideias e torná-las reais. Eles procuram soluções para problemas efetivos e desejam tornar o mundo um lugar melhor. São sensíveis ao impacto que suas criações podem causar ao meio ambiente e podem ser catalizadores de mudanças e criadores de experiências.
Muitas vezes eles não estudaram para isso. Vêm de outras formações, mas a vida vai ensinando o caminho das pedras e a direção da felicidade.
Esse é o caso de Ana Kraš, uma jovem promissora que desponta nas grandes feiras e cujo nome começa a pipocar nas redações de revistas especializadas.
Kraš é uma artista multidisciplinar. Ela não pensa de maneira convencional, sentindo-se ora artista, ora designer. É sim uma criadora, sensível e apaixonada, que se deixa ser levada pela vida em múltiplas direções, seguindo as pistas do destino, a intuição, o prazer dos sentidos, incorporando materiais táteis e sensuais, com técnica e invenção. Ao repensar e reinventar novas formas para situações convencionais, Ana explora todas as possibilidades de expressão da criatividade.
Formada na Universidade de Artes Aplicadas de Belgrado – cidade onde nasceu e de onde saiu por causa da guerra – vive e trabalha atualmente em Nova York, onde vem preparando suas exposições internacionais para o Salone del Mobile Milan, Imm Cologne, Maison et Objet Paris, Budapest Design Week, Vienna Design Week e Belgrade Design Week. Por meio de diferentes projetos e colaborações, ela é um talento como designer – além de artista, ilustradora e fotógrafa sensível. Seu trabalho nesse ofício incorpora diferentes materiais como os têxteis, a madeira ou o metal.
O sucesso das suas peças não demorou muito a acontecer. No último período da faculdade, foi chamada para um concurso dentro do Salone del Mobile. Levou a cadeira "Hug", e foi logo selecionada para outra feira de móveis. Daí em diante – e com a ajuda da internet – seu trabalho se propagou rapidamente.
Conheci trabalho de Ana na feira Untitled em dezembro de 2017, na Art Basel Miami. Passei no estande e logo fui capturada por suas obras, minimalistas e artesanais. Um resultado que pode ser livre e poético nas artes – como na pintura, na ilustração e nas colaborações de moda e fotografia –, mas também pragmático e funcional no design de móveis e acessórios domésticos.
A seguir, uma pequenina entrevista com Ana Kraš, certamente alguém de quem você ainda vai ouvir falar bem.
CS: Você é um artista multidisciplinar. Como foi a sua formação?
AK: Eu estudei na Universidade de Artes Aplicadas em Belgrado, no departamento de design de arquitetura e mobiliário de interiores. A escola era muito antiga, então havia muita educação em arte geral, como desenho, pintura, matemática etc. Não havia computadores, então tudo era feito à mão.
CS: O que a inspira?
AK: Pessoas e arquitetura.
CS: Você passou sua infância em Belgrado e viu a guerra atingir seu país ao longo de muitos anos. Como essa terrível situação política influenciou seu trabalho?
AK: Eu não tenho certeza sobre como isso me afetou, talvez tenha me ensinado como improvisar e fazer algo com poucos recursos, e não esperar que as coisas se tornem fáceis. Às vezes, isso pode ser muito bom para a prática de trabalho.
CS: O que a levou a Nova York? Vivendo e trabalhando lá, você sente que é uma cidade receptiva?
AK: Eu me mudei para os Estados Unidos por acidente. Eu nunca planejei nem desejei isso. Mas Nova York é uma cidade excelente, parece muito semelhante a Belgrado na sua essência. É receptiva, é fácil sentir-se livre em Nova York.
CS: Você se identifica com o design americano? De que forma?
AK: Há muito design americano que eu amo. O clássico americano Frank Loyd Wright, por exemplo. A forma como ele tratou elementos arquitetônicos e fez estruturas, a forma como ele projetou prédios, luminárias, móveis, tudo ao mesmo tempo foi tão diferente, forte e expressivo. Ele criou uma linguagem inteira.
CS: Você desenha móveis e objetos, fotografa, desenha e faz arte. Como tudo isso funciona em conjunto? Você recebe convites e encomendas? AK: Sou contratada para alguns projetos e outros eu mesma inicio. Isso funciona melhor dessa maneira porque eu não acho que eu ficaria feliz trabalhando em apenas um cenário.
CS: O seu trabalho parece muito artesanal e feito de forma muito especial. Como você escolhe materiais que sempre parecem táteis, amorosos e com cores agradáveis de olhar?
AK: Eu sou curiosa com quase tudo, e isso é uma vantagem para o meu trabalho. Eu gosto de todos os materiais, de todas as cores e gosto de experimentar.
CS: Qual a diferença entre fazer design e fazer arte?
AK: É muito diferente para mim. Sobre arte, eu nunca trabalho com uma ideia pré-concebida. Quando estou desenhando, nunca sei o que vai ser. Eu começo uma linha e a outra, e o desenho vai se construindo, inconscientemente. Essa é uma espécie de expressão muito pura e instintiva, sem estresse e pressão e sem um objetivo a ser alcançado, é apenas para que eu me sinta bem enquanto estou fazendo. Fazer design é pensar. Tentar resolver algo, manipular o material ou a geometria de uma forma nova e interessante, tomar uma decisão inteligente e econômica, e ainda assim se divertir com ela. Mas o processo é muito diferente e penetra em partes distintas de mim mesma.
CS: Você precisa de uma atmosfera para trabalhar? Como você faz para criá-la?
AK: Não preciso de nada especial, posso fazê-lo em qualquer lugar. Muitas ideias surgem enquanto eu estou fazendo outras coisas, andando, falando, eu não preciso estar em uma zona específica.
CS: Quem são seus designers favoritos? E seus artistas favoritos?
AK: Esta é uma questão difícil, porque existem muitas pessoas cujos pensamentos e criações eu admiro e respeito muito. Adoro o trabalho de Alvar Alto, a simplicidade, as texturas e volume escultural que sua arquitetura possui.
CS: Quem e o que influenciou seu trabalho?
AK: Durante muito tempo não estava ciente disso, mas meu pai me influenciou muito. Ele trabalhou como engenheiro a vida toda, então nunca o vi como artista e arquiteto. Mas ele projetou e construiu nossa casa de praia sozinho e fez todos os móveis para ela. Nós sempre falamos sobre arquitetura e esboçamos coisas que esperávamos fazer juntos um dia. A forma sempre vem como resultado de um pensamento, e o dele tinha uma estética muito minimalista e muito chic – na verdade, meu estilo favorito. Desta forma, eu acredito que ele e sua forma de pensar me influenciaram profundamente.
CS: Se você pudesse escolher um lugar no mundo, qual seria?
AK: Um lugar para viver? Visitar? Eu amo o mediterrâneo, sempre tão familiar e me fazendo sentir em casa. Eu amo muito o México, adoro as pessoas e a estética. Eu adoraria explorar diferentes partes da África, que eu conheço muito pouco. Isso é o que eu adoraria conhecer agora.
CS: O que você mais aprecia na vida?
AK: Amigos, família, amor e lar.
CS: Em quais novos projetos você está trabalhando?
AK: Estou fotografando muito no momento: retratos e moda. Também estou muito animada para mergulhar mais profundamente nas pinturas têxteis - o último projeto eu mostrei em Miami, durante a Art Basel Miami. Agora estou trabalhando em peças de maior escala, usando a mesma técnica. Também estou finalizando os protótipos de alguns móveis novos. Uma grande colaboração está prestes a ser lançada em abril em Milão, então tem muita coisa acontecendo no momento.
CS: Planos para o futuro?
AK: Não sou boa em planejamento, eu simplesmente aceito dia a dia.