Todo arquiteto tem aquele projeto dos sonhos, que considera capaz de mudar uma cidade inteira, não é? O baiano Antônio de Lacerda (1834 – 1885) certamente tinha o seu, embora sequer fosse oficialmente formado em arquitetura. Em pleno século XIX, ele idealizou e ergueu uma das obras mais importantes da Bahia: o Elevador Lacerda.
A construção, que é considerada o primeiro elevador urbano do mundo, está ativa e bastante funcional até hoje, carregando milhares de pessoas todos os dias.
Por trás dele, há uma história de dificuldades, criatividade e inovação, como em qualquer grande obra — basta relembrar a construção de projetos como a Casa Valéria Cirelli, o Memorial Maria Aragão, a Glass House e tantas outras.
Conheça a origem e a importância do elevador nos próximos tópicos!
A origem do Elevador Lacerda
Salvador é uma só, mas comporta duas: a Cidade Baixa (a região portuária, em que está o Mercado Modelo) e a Cidade Alta (onde fica o Pelourinho, no Centro Histórico).
O nome de cada uma as descreve muito bem, já que há uma falha geológica de cerca de 60 metros entre elas, que desafia a logística do transporte na capital baiana desde a sua fundação, em 1549.
Essa característica dos terrenos da cidade exigiu que fossem encontradas alternativas de transporte de pessoas e mercadorias ladeiras acima.
Pelo menos desde o início do século XVII existem “ascensores urbanos” em Salvador, que ligavam o porto, na Cidade Baixa, à Sede Administrativa, na Cidade Alta.
Em 1610, já havia registros sobre os guindastes na cidade. Não eram como os aparelhos modernos, mas planos inclinados construídos e administrados por ordens religiosas como a Companhia de Jesus (que mantinha o mais famoso deles, o Guindaste dos Padres).
Até meados do século XIX, os sistemas de transporte mais engenhosos eram reservados a mercadorias e matéria-prima. As pessoas continuavam a depender de longas escadarias e ladeiras malpavimentadas para se movimentar entre um nível e outro de Salvador.
As concessões públicas para transporte urbano movimentaram diversas empresas e, no final dos anos 1860, havia bondes de tração animal nas duas partes da cidade.
A necessidade de integração do transporte era cada vez maior, e foi aí que o baiano Antônio de Lacerda percebeu a oportunidade de comandar o empreendimento que se tornaria um dos marcos arquitetônicos da cidade até hoje, o Elevador Lacerda.
A história por trás do primeiro elevador urbano do mundo
Antônio de Lacerda estava à frente da gestão de alguns bondes de tração animal da cidade, mas queria mais.
No comando da Companhia de Transportes Urbanos e em parceria com o irmão mais novo, Augusto Frederico de Lacerda (1836 – 1931), ele lançou-se à construção do primeiro elevador urbano do mundo, que parte da sociedade da época considerava uma loucura.
Ele próprio registra: “Sendo o Elevador Hidráulico uma invenção nova tentada no país, e o seu projeto o mais gigantesco em relação mesmo aos Lifts e Hoisting Machines existentes na Europa, pela altura de sua torre e extensão do seu túnel através da rocha viva, eu bem sabia que a empresa havia de encontrar obstáculos perante a indústria acanhada e rotineira da província, por falta de conhecimentos teóricos e práticos de uns, pela dúvida e incerteza de outros, e, finalmente, pela descrença de muitos, que longe de auxiliá-la com seus capitais e influência, consideravam e propagavam ser ele uma utopia!”.
A construção do empreendimento durou quatro anos. Em 8 de dezembro de 1873, Dia de Nossa Senhora da Conceição da Praia, foi inaugurado o Elevador Hidráulico da Conceição — só em 1894 ele foi rebatizado com o nome pelo qual é conhecido até hoje.
A estrutura do elevador
Na época da inauguração do elevador, a estrutura ficou popularmente conhecida como “Parafuso”. O apelido era referência à peça em espiral que impulsionava as duas cabines do elevador. No início, cada uma comportava cerca de 20 pessoas, que precisavam ser pesadas antes de iniciar o trajeto.
A esse respeito, Cícero Dantas (1838 – 1903), mais conhecido como Barão de Jeremoabo e um dos mais importantes latifundiários do Nordeste naquele período, registrou, prova da minúcia do processo:
“Em 16 de março de 1889 pesamo-nos no elevador, dando o seguinte resultado: Pinho — 54 quilos, ou 3 arrobas e 98 libras; Cícero — 61 quilos, ou 4 arrobas e 2 libras; Guimarães — 65 quilos ou 4 arrobas e 10 libras; Artur Rios — 73 quilos ou 4 arrobas e 26 libras; e Vaz Ferreira — 115 quilos, ou 7 arrobas e 20 libras.”
Originalmente, a obra tinha 63 metros e somente uma torre de pedra, incrustada na Ladeira da Montanha. A estrutura recebeu críticas, especialmente de estrangeiros, por utilizar relativamente pouco ferro — então símbolo da modernidade.
O elevador passou por uma série de reformas até chegar ao modelo atual. A primeira foi em 1906, quando ele começou a funcionar movido a eletricidade e teve a base alargada.
A mudança mais significativa veio em 1930. A reforma foi planejada entre 1927 e 1928 pelos arquitetos Fleming Thiesen e Adalberto Szilard e contou com a norte-americana Otis Company, responsável pelas cabines ainda hoje.
A repaginação do elevador acrescentou uma nova torre com outras duas cabines, substituiu o par anterior por modelos mais eficazes e ergueu uma ponte de aço e concreto que conecta todas as estruturas. Depois da reforma, ele alcançou 72 metros de altura.
Essa restruturação também trouxe elementos do estilo art déco ao projeto, como as pilastras e vãos finos das torres.
O significado dele para a cidade
Em 1930, após a grande reforma do Elevador Lacerda, a Otis Company afirmou à revista Fortune que, no primeiro dia de funcionamento, ele transportou 24 mil pessoas.
O número aumentou, desde então, e hoje ele carrega cerca de 28 mil pessoas todos os dias, entre as 6h e as 22h, ao preço atual de R$ 0,15. As cabines fazem o trajeto em 22 segundos.
Após quase um século e meio, ele continua sendo um dos meios de transporte mais importantes para o dia a dia da cidade, além de ter se convertido em importante cartão-postal de Salvador.
A vista do alto do elevador, na Praça Tomé de Sousa, descortina toda a região portuária, mas as cabines do próprio elevador não são panorâmicas.
Em 2006, o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) aprovou o tombamento da obra.
A importância do Elevador Lacerda foi registrada até em moeda. Em 2015, a obra estampou um dos lados da moeda comemorativa de Salvador, lançada pelo Banco Central.
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