“É a economia, estúpido!”. A célebre frase dita por um assessor de Bill Clinton estala na minha mente quando sou indagado a tratar do tema da sustentabilidade na arquitetura.
A razão dessa associação é que o conceito da sustentabilidade começou a ganhar força nas duas últimas décadas ao reverberar o crescimento da economia global. O que pode parecer, à primeira vista, contraditório aconteceu porque a construção civil é responsável por cerca de 40% da energia consumida no planeta. Nessa conta está computada toda a cadeia econômica do setor, começando pela produção de componentes (concreto, aço, revestimentos etc.), passando pelo canteiro de obras e terminando no uso e na manutenção dos edifícios.
Diante desse quadro, o polvo da economia pressionou seu tentáculo da construção civil a se adaptar, a ser mais eficiente e a gastar menos energia. Trocando em miúdos, mesmo que existam – e elas existem! – preocupações ambientais legítimas em muitos dos agentes envolvidos, o cerne da sustentabilidade é a sobrevivência do crescimento econômico e a consequente manutenção de sua matriz liberal.
Portanto, a adaptação da cadeia da construção civil, historicamente mais atrasada que outras, é fator fundamental para manter o avanço da economia e acomodar as curvas demográficas, que sugam recursos naturais.
Uma das consequências diretas desse processo foi a criação de parâmetros de eficiência, que podem começar a ser medidos num projeto de arquitetura. Muitos já devem ter ouvido falar nos “edifícios certificados” ou nos “selo verde”, criados para atender ao mercado corporativo norte-americano. E o assunto só avançou pela pauta econômica: grandes corporações não alugam escritórios em prédios sem certificação. Daí a lembrança da frase do assessor, que poderia ser adaptada para “é a eficiência, estúpido!”.
Adentrando a matéria, outra citação de que me lembro foi dita por um célebre arquiteto do nosso tempo: o português Eduardo Souto Moura, vencedor do prêmio Pritzker, em 2011. Em uma entrevista ao jornal espanhol El País, ele declarou que “a arquitetura, para ser boa, já o é, implicitamente, sustentável”. Se invertêssemos a frase perceberíamos que o que está em jogo é que os selos de qualidade podem imprimir valor à arquitetura sem qualidade, certificando prédios insensíveis em relação à história da comunidade onde está implantado.
Por exemplo: um prédio neoclássico recém-construído em São Paulo, que ofende a história da arquitetura brasileira, pode ser sustentável? Se adotar os parâmetros atuais, ganha o selo, como de fato já aconteceu. Por outro lado, há o perigo do marketing verde, que gasta mais dinheiro em promoção dos produtos do que em processos realmente sustentáveis.
Muito longe dessa polêmica, duas iniciativas de qualidade foram realizadas recentemente no meio de nossa floresta tropical. A primeira delas é a moradia estudantil da Fundação Bradesco, próxima à Ilha do Bananal, no Tocantins. São dois pavilhões, com estrutura de madeira laminada, criados por um time liderado pelos paulistas Marcelo Rosenbaum e Adriana Benguela (da Rosenbaum) e pelos paranaenses Gustavo Utrabo e Pedro Duschenes (da Aleph). Gêmeos, os pavilhões dividem as crianças por gênero e totalizam 25 mil metros quadrados de área construída. As circulações são abertas à paisagem e o complexo foi criado após ampla imersão dos profissionais na comunidade local.
O segundo projeto que me vem à mente é o Centro Experimental Floresta Ativa (Cefa), no Pará. Trata-se de um espaço destinado a treinar a comunidade para viver em harmonia com a floresta, tratando de tecnologia e ações socioambientais. O próprio desenho arquitetônico foi um treinamento, em que a tecnologia construtiva foi o ponto de interação entre técnicos e a comunidade, com ambos os lados aprendendo. Criado pela paulista Cris Xavier, o desenho conta com pilares de madeira e cobertura de palha.
Os dois projetos não contam com certificação. É claro que não precisavam, pois, como lembraria Souto Moura, se é boa arquitetura, é sustentável. Os pavilhões de madeira na nossa floresta são muito mais coerentes com a realidade local do que qualquer selo norte-americano poderia supor. Afinal de contas, o que está em jogo é a sustentabilidade, estúpido!