Design, tecnologia e afeto

Transformar emoções em objetos. Literalmente. A proposição pareceu um delírio quando foi feita por Guto Requena, há cerca de seis anos. Aos poucos, no entanto, com a colaboração de uma equipe de mais de 20 profissionais – entre designers, engenheiros, desenvolvedores e programadores –, a ideia foi ganhando forma. O nome dado ao projeto inovador lançado em 2014, Love Project, resume a visão primordial que o arquiteto e designer tem sobre o futuro das disciplinas e da humanidade como um todo: tecnologia somada a amor. Uma combinação que, a partir deste mês, está disponível a quem desejar por meio do aplicativo Aura Pendant, que transforma narrativas de amor em joias únicas.

Desde que estabeleceu seu estúdio em São Paulo, em 2008, o paulista tem explorado os impactos de novas tecnologias na criação de espaços e coisas, realizando uma concepção de desenho que se caracteriza pelo hibridismo entre ferramentas analógicas e digitais. Entre as últimas, impressão 3D, sensores, tecnologias interativas, softwares paramétricos e plataformas open source (como o Arduíno) vêm revolucionando a maneira como o mundo é concebido, produzido e consumido, e entraram para o radar de uma nova geração de designers internacionais na qual Guto tem lugar de destaque.

Ainda estudante de arquitetura, ele intuiu que a profissão precisava acertar o passo com os desenvolvimentos tecnológicos. Por anos participou do Nomads.usp, grupo de pesquisa acadêmica sobre o habitar contemporâneo, que lhe forneceu a visão fundadora de sua prática: a de que fazemos parte da primeira geração de ciborgues da história. O termo, aparentemente restrito à ficção científica, expressa a diluição das fronteiras entre o corpo humano e a tecnologia. “A minha maneira de olhar o mundo e de fazer arquitetura e design se transformou quando comecei a entender as transformações físicas, sensoriais e cognitivas desse homem ciborgue”, diz Guto. Fundamentalmente, a tecnologia é vista como parte integrante da evolução natural do homem, e ela nos humaniza.

No Love Project, esse conceito é explorado por meio da memória afetiva. Realizado em performances e exposições, consiste em sensores que captam variações na voz e no batimento cardíaco de uma pessoa no momento em que ela conta uma história de amor. Esses dados sensoriais são lidos, em tempo real, por uma interface digital, que por sua vez os transforma no desenho de um objeto que será impresso em 3D. A forma resultante – que usa o conceito de design generativo e une parâmetros pré-estabelecidos com os inputs captados – é, portanto, a versão material de um conjunto de emoções.

O Aura Pendant democratiza essa experiência – o lançamento mundial será feito por uma campanha de crowdfunding. O grupo formado pelo Estúdio Guto Requena e a D3, empresa voltada a produtos digitais, desenvolveu um aplicativo de celular que realiza todos os processos de criação do design. Basta ao participante, munido do hoje tão democrático aparelho, escolher um lugar quieto, colocar fones de ouvido, o seu dedo indicador na saída da câmera, e contar a sua história de amor. O software a transformará em um pendente único, em forma de mandala, que poderá ser impresso em prata ou ouro. O objeto, que já foi testado no Brasil, será produzido pela empresa americana Shapeways e custará 79 dólares na versão de prata, podendo ser enviado a qualquer lugar do planeta.

Guto Requena é um nome fundamental para pensarmos a relação entre design e tecnologia. Para ele, seu papel como designer não é criar produtos finais, mas sistemas e interfaces nos quais o usuário também é parte fundamental da criação. O Love Project e o Aura Pendant tornam tangíveis o que é intangível, ao mesmo tempo em que criam objetos significativos, e por isso, também, mais sustentáveis.