Design para refletir
O tempo todo nos queixamos da falta de tempo. E embora a decisão de dar tempo ao tempo esteja em nossas mãos, não nos damos esse tempo. E é justamente nesta paradinha, e somente nela, que somos capazes de refletir. Reflexão necessária para que pensemos se uma compra faz realmente sentido, se, num processo de criação, estamos usando os materiais mais adequados, se o produto idealizado tem propósito envolvido... Slow design é mais do que um produto feito demoradamente. É um produto que carrega valores, fruto de pensamentos sobre resgate de técnicas, colaboração, sustentabilidade e durabilidade. E, claro, sobre o fazer com calma, ou melhor, o fazer com alma. Sutilezas que nos fazem criar vínculos mais afetivos com os objetos, mesmo que não saibamos o motivo.
Não pode ler agora? Ouça a matéria clicando no player:
“O slow design pra mim, vem de uma autoconsciência, do propósito com o trabalho”, diz a designer têxtil mineira Ana Vaz. Ana largou a carreira na área de marketing para se dedicar ao fazer manual, às tramas. Algo que fizesse mais sentido com os seus sentimentos e valores. Usa conceitos do tricô, do crochê e do tear combinados a materiais pouco prováveis, unindo passado e presente com espírito inventivo. Suas criações vão de objetos a instalações, roupas e acessórios, desenvolvidos para grandes marcas, mostras, grifes ou mesmo para comunidades. História semelhante é a da designer Inês Schertel. Ela largou São Paulo para viver numa fazenda de criação de ovelhas em São Francisco de Paula, interior do Rio Grande do Sul, em meio a uma mata nativa de araucárias. Foi lá que ela encontrou seu novo propósito e passou a criar peças com design genuíno, valendo-se de um processo tradicional, mas inovador no resultado. “Participo de todas as etapas de desenvolvimento e, por isso, chamo meu processo de slow design. Não tanto pelo tempo que leva pra produzir uma peça – que leva bastante! –, mas pela maneira que me relaciono com o tempo das coisas acontecerem no campo. As ovelhas precisam ser bem cuidadas e tratadas para crescerem saudáveis e me fornecerem lã. As folhas e cascas, que uso no tingimento, funcionam de maneira diferente de acordo com a estação do ano. Os liquens e musgos precisam crescer. Cada coisa ao seu tempo e cada etapa com seu storytelling”, conta ela.
Quando criança, ao brincar no jardim, o designer inglês Gavin Munro conta, em seu site www.fullgrown.co.uk, que notou um bonsai coberto de vegetação, que lembrava uma cadeira. A imagem permaneceu em sua mente por 25 anos. Em um período da sua vida teve muito tempo para pensar, pois passou por várias cirurgias para endireitar a coluna. Neste momento, germinaram as primeiras sementes do que seria a Grown. Gavin criou uma espécie de “fazenda de criação de móveis e objetos”. Ele planta as árvores e guia o crescimento das mesmas em formas impressas em 3D para que troncos e galhos assumam a forma de cadeiras e luminárias. Assim, o tempo das peças ficarem prontas é o tempo do desenvolvimento das árvores, que pode chegar a oito anos. E acredite: há uma longa lista de espera por suas criações. E o motivo é simples: as peças de Munro aproximam a arte da natureza de uma forma respeitosa. “Os móveis Grown desafiam a forma como criamos produtos. Têm um apelo tátil, visceral e orgânico”.
Como resistir a uma peça com uma bela história por trás? Quem adquire um produto feito à mão, sabe que alguém colocou sua energia e alma ali. Isso contribuiu para se criar uma relação mais duradoura com o objeto. Ana conta que sua alegria e afeição ao fazer contagia o trabalho. “Busco o melhor acabamento possível, a melhor durabilidade porque quero que as pessoas tenham o produto enquanto elas escolherem terem aquilo nas suas vidas. Não quero que a coisa se acabe enquanto a pessoa ainda a está desejando”. E completa: “o slow design é essa tomada de consciência, onde eu me vejo, me percebo, percebo o outro. Porque se perdemos isso, passamos a desumanizar, como se fôssemos máquinas... Aí, perdermos nossa alegria, nossa sanidade e adoecemos.”