Em uma mesa redonda durante a SP-Arte, Simon Andrews, especialista em design da casa de leilões Christie's, forneceu uma explicação que elucida porque o mercado de arte abraçou o design, como é o caso da feira paulistana, que inaugurou há três anos um setor específico. "Na Christie's, o design está atrelado à arte contemporânea, e a razão disso é que compartilhamos os mesmos colecionadores."
Data de pouco mais de duas décadas o fenômeno do "design colecionável", impulsionado por nomes como Marc Newson, Fernando e Humberto Campana ou Joris Laarman. Munido de um circuito tal qual o da arte, as peças transitam entre galerias, feiras, leilões, coleções e exposições institucionais. Algo impensável em meados do século 20, quando design era tão e somente sinônimo de produção em larga escala destinada a resolver ou facilitar a fruição de atividades cotidianas. Este mercado era feito de bens de consumo como eletrônicos, carros, móveis e utensílios domésticos, e formava uma economia completamente distinta desta nova, de cifras que em muito extrapolam o valor de uso dos objetos em questão.
É claro que, hoje, produtos do design industrial ocupam espaços privilegiados. Na exposição permanente de Design Italiano que a Triennale de Milão inaugurou em abril há inúmeros exemplos, como o telefone Grillo (1962), de Marco Zanuso e Richard Sapper para a Siemens, disposto em uma vitrine tal qual um objeto precioso – outrora, era apenas um utilitário divertido, tecnológico e funcional. As cadeiras de ferro e compensado de madeira de Jean Prouvé, a exemplo do modelo no. 305, de baixo custo, criado em 1934 para a Universidade de Nancy, são hoje best-sellers em leilões pelo mundo. Na coleção do MoMA de Nova York consta o primeiro iPod (2001) da Apple, de Jonathan Ive, um ícone deste século.
A diferença entre tais produtos e o design colecionável contemporâneo é que, no caso daqueles, ser único, raro ou dotado de aura não foi sua designação primeira. Tornaram-se tal porque, cada um a seu modo, mudou o rumo do design e faz sua história. Paradoxalmente, foram destituídos de sua função original para se tornarem objeto de contemplação. E aqui vale citar algo que o colecionador brasileiro Jayme Vargas disse num outro bate-papo durante a feira paulistana, que aconteceu em abril. "A partir do momento que um objeto ou móvel faz parte de uma coleção ele se coloca em um espaço ambíguo. Deve ficar resguardado? Continuamos a fazer uso dele?".
Chegamos então ao momento atual, no qual designers criam peças especificamente destinadas a ser colecionáveis. São edições únicas ou limitadas, peças que se libertam do rigor "a forma segue a função" e exploram com maior liberdade – nos melhores casos – conceitos, materiais, técnicas e ferramentas (conseguem fazê-lo, também, pois poderão cobrar mais por isso). Essas criações não precisam se adequar aos limites impostos à produção industrial, tais como custo de produção, direcionamentos de marketing ou a viabilidade comercial de uma bela ideia. É um fazer completamente distinto daquele destinado à reprodução aos milhares ou milhões.
Todavia, se o design colecionável não faz uso da enorme possibilidade de experimentação, de crítica e de conceitualização que possui, ele vale a pena? Se o design colecionável é tão somente mais “instagramável”, mais atraente para colecionadores ávidos pelo diferente e pelo exclusivo, ele contribui com a transformação da disciplina? Se ignora a relação com a história que o precede, ainda é design?