A simplicidade, característica marcante do trabalho de Cecilie Manz, também se estende para a “figura” que carrega o título de designer do ano pela Maison et Objet 2018. Durante visita inédita ao Brasil, mais precisamente em Florianópolis (SC), a profissional dinamarquesa, de cabelos presos em um coque despretensioso, blusão e tênis, encontra o Archtrends para um bate-papo sobre o seu processo de trabalhar sempre em direção a um objeto puro, estético e narrativo.
Perguntada sobre o que conhece do design brasileiro, Cecilie logo pede desculpas e assume: “Eu preciso ser muito honesta, sou uma completa ignorante nesse sentido”. A designer do ano, mais uma vez, dá provas de sua simplicidade e modéstia ao criticar que grande parte dos designers europeus, incluindo ela, vivem mais centrados no que acontece ao seu redor. Também pudera! Líder de um escritório que conta apenas com quatro pessoas, é natural que o universo de referências seja mais restrito. “Eu, realmente, estou satisfeita com o tamanho que temos hoje. Isso tudo colabora para que eu consiga acompanhar todo o trabalho bem de perto”, explica Manz.
Em alguns casos, esse trabalho começa com ela própria “cavando” um esboço de algum objeto, normalmente relacionado ao lar, a partir do que tem em mente ou, como na maioria das vezes, um pedido específico do cliente: “Independente do que seja, o processo é todo baseado em encontrar a razão daquele produto, o que podemos melhorar. Já existem muitas cadeiras pelo mundo, por exemplo, não estaríamos criando uma novidade. Claro que trabalhamos com tipologia, mas temos que dar a ela um projeto próprio e que tenha um propósito”. Sendo assim, a funcionalidade é sempre o ponto de partida de Cecilie Manz.
Com pais ceramistas, a dinamarquesa conta que cresceu em uma ótima atmosfera e passou toda a infância brincando com argila, desenhos e pintura. “Meu pensamento inicial era que eu deveria estudar arte, mas fui aceita na escola de design, digamos, por acaso. Me apaixonei pelo tema, mais precisamente pelo design de mobiliário, que foi o que estudei por cinco anos”, relembra. A noção de forma, formato e de como criar “coisas”, no entanto, veio muito antes: “Eu passava horas e horas no ateliê de cerâmica dos meus pais. Os dois sempre tiveram grande sensibilidade na modelagem. Eu lembro de observar meu pai modelando objetos com as próprias mãos por horas até encontrar a curva perfeita. Isso é algo que eu também faço no meu trabalho hoje. Não se trata apenas de medições e linhas retas. Os pequenos detalhes, desde a maneira como uma linha reta se conecta com as linhas curvas, são importantes no nosso trabalho no estúdio”.
Mesmo a família nunca tendo trabalhado junto, Manz afirma que “usam” muito do conhecimento do outro em seus próprios projetos. “Atualmente, aos 75 anos, minha mãe ainda trabalha todos os dias e exibe suas criações por todo o mundo. Nós nos ajudamos através da troca de opiniões: ‘o que você acha desse produto? Que tal esse projeto?’. É como se fôssemos colegas de trabalho, de certa forma, e isso funciona muito bem”, orgulha-se Cecilie que, assim como os pais, preza pela qualidade de suas entregas.
Segundo a designer, o termo deve envolver toda a cadeia produtiva, da escolha dos materiais ao fabricante: “Por isso, o meu ideal é fazer design, por exemplo, para meus filhos, porque se eu faço uma cadeira de qualidade, ela pode durar talvez 50 anos, o que significa que eles vão poder usar a vida inteira praticamente. Se eu concluir essa missão com sucesso, eu ficarei muito feliz”. Para chegar à excelência, Cecilie Manz adota práticas como a de levar seus trabalhos para testar em sua própria casa. “Eu me uso muito como teste e me questiono o tempo inteiro. Quando você faz o design é como uma espécie de visualização, pois você pensa muito naquilo. É por isso que eu uso minha vida privada nos meus designs. Então, eu levo aquilo para a minha casa, testo, pergunto o que minha família acha. Assim, eu consigo um feedback baseado no cotidiano, porque, mesmo que não funcione para mim, pode funcionar para outra pessoa”, justifica a profissional.
Presente e ativa, portanto, em cada fase do projeto, a dinamarquesa até poderia ser definida como designer “mão na massa”: “Eu não sou uma mulher de computador, ainda prefiro fazer meus desenhos à mão, no papel. Às vezes, penso que já sou velha demais para aprender, mas, no fundo, eu realmente curto ter aquilo nas minhas mãos”. Afinal, ter uma noção completa do produto, o que envolve também cor e textura, é fundamental. “Infelizmente, hoje, a gente acaba esquecendo disso tudo e pensando só na aparência, esquece da sensação que você pode sentir ao tocar naquilo com suas próprias mãos”, reafirma.
Quando se fala em cores, aliás, o trabalho de Cecilie Manz, apesar de toda diversidade, consegue ganhar uma distinção única e marcante: “Algumas pessoas podem até achar chato, mas se eu tiver que escolher entre duas cores, sendo uma mais neutra e outra mais chamativa, eu sempre vou escolher a neutra. Eu acho que o design deve nos ajudar no nosso dia a dia, não deve ser provocador. Então, o tom do meu design tem um som, digamos assim, não muito alto. É um tom silencioso!”.