Escrevo essa coluna do conforto da casa dos meus pais, que fica em Araguari, Minas Gerais. Saí daqui aos 17 anos e só agora me toquei que isso já faz exatos 20 anos. Sempre tento vir com uma certa frequência, afinal de contas, não só eles, como toda a minha família e muitos amigos queridos, moram aqui. Mas dessa vez a visita tá com um gostinho diferente. Vim pra ficar 15 dias direto e acho que a última vez que me dei esse “presente” foi quando ainda tinha férias longas no período da faculdade. Comigo vieram também as minhas filhas, que amam todo esse universo mineiro: primos, comidas, praças, bosques, piscina no fim de tarde e mimos da vovó e do vovô.
Abro o meu guarda-roupa e só encontro peças e objetos com uma baita história por trás: a camisola gostosinha da adolescência, o vestido de aniversário dos meus 15 anos, minha primeira sapatilha de ponta, o blazer do intercâmbio, cartinhas de paqueras, fotos de infância, agendas e minha coleção completa de papéis de carta. Esse último deixa minha filha curiosa com a estética vintage e querendo entender o porquê tínhamos o hábito de trocá-los entre amigos. Apesar de euzinha pregar a palavra do desapego, não me peça pra me desfazer de nenhuma dessas coisas. Lembranças são afeto. E guardo as melhores memórias dessa época.
Toda vez que chego em Araguari, a sensação é de que tiro uma mochila de 30 quilos das costas. E toda vez que volto para o Rio, deixo um pedaço de mim aqui. Vou me deixando nos encontros, nas cachoeiras, no aroma. E vez ou outra me pego emocionada com a oportunidade de conectar meu mundo de hoje com o de antes.
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Apesar do lado bom, aqui também está muito quente (assim como todo o mundo) e o tempo é um assunto constante de todas as rodas. “Tá calor demais, né?”, é o que todos falam quando se cumprimentam. E por isso precisamos esperar o sol baixar para ir para as praças, entrar na piscina ou qualquer outro passeio externo. O calor nos deixa mais cansadas, eu fico particularmente irritada, mais ainda com a tristeza de saber que esse calor todo é consequência da crise climática que já afeta o mundo e o futuro das minhas filhas.
Passar por esses acontecimentos ao mesmo tempo que desfrutamos a “casa de vó” me faz pensar na simplicidade com que devemos encarar nossa vida daqui pra frente. Para que exista futuro, ele deve ser simples, com menos coisas, viagens, compromissos. E casa de vó mexe com todos os nossos sentidos e sensações - visão, olfato, paladar, tato e audição se misturam na construção de memórias afetivas. É lembrança dentro da gente pra uma vida toda. Na casa de vó, o ar é mais puro, a cama é mais macia e a comida mais gostosa. E o melhor da casa de vó é a própria avó, que dá o colo com o conforto e carinho que tanto filha e netas sentem falta.
Por isso é extremamente importante que minhas filhas criem intimidade com o lugar de onde vim. E na casa de vó mineira, meus caros, é tudo mais profundo. Minas é cura. Nos dá carinho, cuidado e afeto, nos reconecta com nossa essência e nos faz lembrar de quem somos de verdade. A vida tem um tempo e uma presença diferente e o valor tá no pequeno. Quem é daqui, entende. E como já sabe o Marcelo Camelo: