Campo fértil
O que é design para todos? Ao ser estimulado a pensar no assunto, uma série de possibilidades nos vêm à mente. Em primeiro lugar, como premissa básica, o design para todos precisa ser definido como um desenho acessível e inclusivo, ou seja, que consiga atingir a massa de usuários.
Dito isso, pode-se imaginar o tema dividido em duas partes: de um lado está a esfera pública; de outro, a privada. Para sermos justos com o âmago da questão, vamos começar pelo desenho que atende ao ambiente público. Ou seja, aqueles trabalhos encomendados pelo Estado e que foram feitos para servir a maior parte da população. Na realidade brasileira, há um campo vastíssimo a avançar na qualidade do desenho que o Estado oferece e que, grosso modo, não supera o serviço prestado. Pode parecer até mesquinharia exigir projetos exemplares de creches, por exemplo, quando o serviço deixa muito a desejar. Mas devemos reivindicar um desenho melhor, pois o benefício é vastíssimo. Alunos aprendem mais se estudam numa escola com boa iluminação, ventilação e conforto ambiental. Se ainda for uma escola bonita, entraríamos em outro campo, com a estética elevando nosso grau de desenvolvimento. Ou seja, é certo que teríamos uma população melhor formada se tivéssemos escolas mais bem desenhadas.
Se, de maneira geral, nosso desenho público não é bom, existem as exceções, ilhas de excelência que produziram (e ainda produzem) desenho público de qualidade no Brasil.
O conceito do design para todos na esfera pública é muito amplo, se estendendo desde o trabalho do planejador urbano até o designer. Um exemplo remoto: Lucio Costa desenhou Brasília buscando atingir o maior número possível de pessoas e toda a população usufrui do espaço público (poderia ser melhor: não são desprezíveis as críticas de que a nova capital não contemplou a camada mais pobre da população, que foi expulsa para as cidades satélites – nome planejado para a periferia).
Adentrando a escala dos edifícios, o design para todos inclui os equipamentos públicos, como escolas ou hospitais. Continuando a tratar apenas dos bons exemplos, como não lembrar de Lelé, o arquiteto que criou os hospitais da Rede Sarah? Está aí um modelo de profissional que doou seu trabalho para que as pessoas vivessem melhor. Aliás, essa poderia ser uma boa definição de design para todos: qualquer desenho que tenha como objetivo aumentar a qualidade de vida da população.
Outros modelos de equipamentos públicos com bom desenho são as escolas públicas paulistas e paulistanas, tanto as realizadas pelo FDE, pelo Governo do Estado, quanto as criadas pela prefeitura – neste caso, os CEUs.
Ainda na seara pública, o tema adentra o universo do desenho dos espaços públicos, como praças, largos e parques. Infelizmente, são poucos os exemplos notáveis de espaços assim no Brasil. Entre os raros que existem, duas praças de Belo Horizonte chamam a atenção: a praça da Pampulha, ao lado do conjunto desenhado por Niemeyer, e um trecho da rua Manuel Carlos, ao lado da Praça da Liberdade. Elas foram desenhadas pelos Arquitetos Associados, equipe de cinco sócios que acaba de lançar um livro sobre sua trajetória profissional.
Na ponta final do design para todos da esfera pública aparece o desenho do mobiliário urbano, como bancos e lixeiras e até mesmo a sinalização urbana, cujo desenho atinge a todos.
No lado da esfera privada, o design para todos tem um alcance mais restrito, limitado ao poder de compra do consumidor. É claro que o consumidor e o cidadão são a mesma pessoa. Nesse sentido, é interessante lembrarmos do design de produtos, da popularização do design através do consumo de massa. Refiro-me a criadores como Raymond Loewy, que popularizou a ideia de consumo ligado ao desenho, buscando o aclamado “bom e barato”.
Dentro dessa seara não temos como deixar de comentar a respeito do Sesc 24 de Maio, edifício premiado recentemente pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), destacando tanto os arquitetos que o criaram – Paulo Mendes da Rocha e o escritório MMBB – como o gestor da entidade, Danilo dos Santos Miranda. Reforçando a postura inclusiva do Sesc, a unidade do centro de São Paulo foi pensada para todos, com atividade culturais, sociais, esportivas e odontológicas.
São várias as suas qualidades. Primeiro, o prédio ocupa edifícios antigos, criando novo uso em velha estrutura, dando sobrevida a energia e recursos acumulados no passado. Em segundo lugar, ele foi implantado no centro de São Paulo, que mudou seu perfil nas últimas décadas, quando iniciou um processo de decadência ao deixar de ser o local mais importante da cidade. De lá para cá, a região ganhou novas dinâmicas sociais, econômicas e culturais, onde os conflitos de classes ficam mais evidentes: de um lado, o governo criou grandes equipamentos culturais, em que as classes menos favorecidas são pouco (ou nada incluídas); do outro, imóveis vazios são invadidos por movimentos sociais, que clamam por moradia.
O Sesc 24 de Maio abre as portas nesse complicado contexto. Aliás, suas “portas” não são percebidas, e o usuário adentra o espaço sem discernir o limite entre o público e o privado. Com as virtudes de uma galeria comercial, o espaço é fluido, e rampas permitem chegar até a cobertura, onde fica uma piscina. Dois andares abaixo fica o bar da piscina. Sem janelas, o espaço é limitado nas bordas por um espelho d’água. Quando foi imaginado pelos arquitetos e pelo departamento de planejamento da instituição, imaginava-se que as crianças colocariam os pés nos 15 centímetros de água. E talvez, quem sabe, algum adulto fizesse o mesmo. Mas esse espelho d’água acabou se tornando um símbolo do espaço inclusivo, do design para todos: eu já vi adultos deitados na água, de roupa e tudo, no meio da tarde. É o espaço da liberdade, que aponta um caminho, para todos, para uma nova ocupação do centro.