Que a relação da matemática com a arquitetura remonta ao início delas próprias, todo mundo sabe. No passado, os matemáticos eram arquitetos e projetaram pirâmides, templos, cidades. Na Roma e na Grécia Antigas os arquitetos eram necessariamente matemáticos. O que ouso dizer nesta página é que é justamente a matemática que aproxima a arquitetura da arte. E a afasta da engenheira – por mais paradoxal que isso possa parecer. E, para explicar essa quimera, deixo de lado a função prática da matemática de possibilitar que edifícios existam, para focar na eterna fixação da arquitetura pela beleza.
A correta aplicação da geometria, da proporção e da simetria imprimem harmonia à grande parte dos edifícios construídos pelo homem, principalmente aqueles dos períodos em que a matemática era rigorosamente respeitada, como na Antiguidade Clássica, na Renascença e, mais atualmente, no Modernismo. Curiosamente, essas épocas ciclicamente foram alternadas com outras onde houve a rejeição intencional do rigor matemático, como nos movimentos gótico, barroco ou desconstrutivista, que negavam a reabilitação do classicismo e causavam, muitas vezes, estranhamento.
Para explicar essa beleza pela matemática, nos concentremos no chamado número de ouro, ou proporção áurea, ou até mesmo proporção divina, que é uma constante real algébrica representada pela letra grega ϕ (PHI). Com o valor de 1,618, foi expressa pela primeira vez em Os Elementos de Euclides, cerca de 300 a.C., e batizada em honra de Phideas, escultor do Parthenon ateniense. É utilizada desde a Antiguidade na arquitetura, na arte e na música como expressão da perfeição divina presente na natureza. Podemos encontrá-la na Quinta Sinfonia de Beethoven, na obra de Debussy, nos traços de Mondrian, no Nascimento da Vênus de Botticelli, no Davi de Michelangelo, nas estrofes da Ilíada de Homero, até mesmo no Pentâmetro iâmbico de Shakespeare, todas consideradas obras-primas da humanidade. Paralelamente, no mundo natural o padrão de tal proporção se reproduz nas galáxias, nas espirais das conchas, nos ventos, pétalas, sementes e flores.
Tanto o edifício mais belo, a escultura mais harmônica, quanto o ser humano mais perfeito podem ser decupados em suas proporções e reduzidos ao número 1,618. As relações entre as falanges dos dedos, entre os ossos do corpo e entre os músculos da face foram exaustivamente estudadas pelos artistas para explicar a beleza. O Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci, ou o Modulor, de Le Corbusier, são manuais de aplicação da beleza nas pinturas, esculturas e nos edifícios. As Villas Palladianas, o Duomo de Brunelleschi, as hipérboles de Gaudí ou as cúpulas geodésicas de Buckminster Fuller apresentam variações dessa constante algébrica, como por exemplo a sequência de Fibonacci.
No entanto, ao tomarmos conhecimento de suas impressionantes propriedades matemáticas, corre-se o risco de enxergar esse número mesmo em locais em que ele não se faz explícito. Ou de considerar que a sua expressão, a proporção de ouro, estava lá antes mesmo da obra em si.
A relação entre as dimensões da pirâmide de Quéops, no Egito, por exemplo, apresenta precisamente a proporção áurea – que, no entanto, só seria descoberta, e expressa, alguns séculos mais tarde. Daí, e também de outras manifestações, vem o adjetivo “divina”, comumente associado a tal proporção. Seria pura coincidência ou manifestação de Deus? Eis o milagre da matemática, que arquiteto ateu nenhum consegue explicar.