Quais histórias contam nossos lares? E os lugares que frequentamos?
Influenciadas pelos recentes acontecimentos na capital do país, Brasília, nos encorajamos a falar brevemente sobre memória, legado e arquitetura e a forma como esses nos conectam a nossa identidade.
Em todos esses anos como arquitetas, visitamos diversas casas no intuito de transformá-las e seguir contando suas histórias. Nas últimas semanas, temos pensado muito sobre o peso das lembranças que a casa de cada um traz consigo.
Nosso encontro com as famílias significa que é tempo de prosperidade, renovação, um projeto que vai ajudar a recontar a história de todos que moram ali e, em visitas, nos deparamos com memórias em porta-retratos, pinturas, uma máquina de costura que foi da avó, o forro de mesa bordado pela tia, o toca-discos do avô, as alturas das crianças marcadas em uma parede ao longo dos anos… Uma união da arquitetura com sua memória.
Toda casa conta uma história. Com o patrimônio público não seria diferente.
Temos a lembrança da primeira escola, o trajeto para a casa da avó, a rua que abrigava a feira de domingo. Se identificássemos a cidade como uma extensão de nossas casas e de toda essa vivência, certamente nossos espaços públicos também teriam outro valor: o valor que nos une a memória coletiva.
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É curioso pensar como a memória é subjetiva e como lugares têm importância diferente para as pessoas e os grupos a que pertencem. As obras arquitetônicas também contam histórias, como um porta retrato carregado de lembranças, com seus personagens e narrativas.
Em janeiro, estávamos todos com os olhos voltados para Brasília, muitas imagens e eventos em um mesmo cenário: a posse presidencial, o Festival do futuro, os danos ao Palácio da Alvorada e um ataque terrorista ao patrimônio público.
Brasília é única, com urbanismo de Lúcio Costa, arquitetura de Oscar Niemeyer e obras de artistas renomados como Di Cavalcanti, Athos Bulcão, Marianne Peretti, Alfredo Ceschiatti e Bruno Giorgi. O conjunto de edifícios forma um museu a céu aberto: Congresso Nacional, Palácios da Alvorada e do Planalto, Supremo Tribunal Federal e a Catedral de Brasília, abraçados pelos maciços de vegetação projetados por Burle Marx em suas praças e jardins.
Há quem ame e há quem não se simpatize com a combinação de suas superquadras mas, gostando ou não, é inegável que a estrutura de paisagem, urbanismo, arquitetura e arte formam um conjunto único e inovador extremamente impactante. Por vezes, esquecemos da sua grandiosidade e importância.
A Praça dos Três Poderes é a arquitetura e o urbanismo em sua perfeita união, abre-se ao povo como representante simbólica da democracia. A Constituição Federal de 1988 destaca que é compromisso de todos os brasileiros valorizar, difundir e zelar pelo patrimônio cultural que constituem os bens de natureza material ou imaterial dos diversos grupos que compõem nossa sociedade. Ou seja, mesmo que certo símbolo ou lugar não represente o grupo ao qual você pertence, cuidar é respeitar a diversidade e as nuances que estruturam a nossa sociedade.
É com a memória que construímos identidade, reconhecemos os acontecimentos do passado e preservamos o que é importante passar a diante. Memória produz legado coletivo e individual!
Talvez a memória também esteja associada a empatia, compaixão e união. Em um país gigantesco, diverso e desigual como o Brasil, é um desafio criar lugares de memória que nos identifiquem como povo. Que encontremos um caminho para reconstruir nossa identidade e tratar nosso país como a casa de todos nós.