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Arte e globalização

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01.04.2020
A cultura atual possui múltiplas origens e reflete como o mundo está interconectado, desafiando o conceito de lar.
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Lar é um lugar estrangeiro. Em português, a frase não soa tão bem quanto em inglês: home is a foreign place. A colocação questiona o sentido de lar de maneira tão potente e atual que foi escolhida para dar nome à exposição de longa duração das Aquisições Recentes em Contexto do MET Breuer, unidade de arte contemporânea do MET – Metropolitan Museum of Art, em Nova York.

Home Is a Foreign Place é, originalmente, o título de uma série de gravuras da artista Zarina Hashmi. Nascida na Índia em 1937, a artista já morou em diversas cidades ao redor do mundo, como Bangkok, Paris e Tóquio. Em seu trabalho, explora com frequência questões como migração, exílio e o significado tênue de lar. Home Is a Foreign Place foi realizada em um período especialmente turbulento na vida da artista, quando ela foi despejada de seu loft em Manhattan – Zarina vive nos Estados Unidos desde 1975. As gravuras representam palavras de sua língua nativa, o urdu, para vários significados de lar, desde o local físico até experiência climática e passagem de tempo.

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Zarina Hashmi, Home is a Foreign Place, 1999. Essa é uma das gravuras da série que dá nome à exposição (Foto: cortesia Zarina Hashmi | divulgação MET Breuer)

A obra data de 1999. A globalização já era um tema relevante no final do século 20. Mas, ao final da segunda dezena do século 21, com a democratização da internet em todo o mundo, é ainda mais presente em nossas vidas. Ironicamente, talvez por termos nos acostumadas com ela, não é mais assunto de discussão. Nunca foi, por exemplo, tema de redação do Enem.

A exposição do MET Breuer, no entanto, mostra que deveríamos estar refletindo sobre globalização, pelo menos no contexto das artes plásticas e da cultura. “A noção de lar é complicada, evoca espaço, lugar e pertencimento, além de falta, fragilidade e até trauma. Essa exposição parte da complexidade do conceito de lar, reunindo trabalhos inspirados pela troca de ideias e identidades através de fronteiras artísticas e nacionais. Home Is a Foreign Place se enquadra no programa ambicioso, internacional e com propósito que desenvolvemos no MET Breuer”, declarou Sheena Wagstaff, diretora do departamento de arte moderna e contemporânea do museu.

Home Is a Foreign Place apresenta, além da obra de Zarina, arte da América Latina, Oriente Médio, Norte da África, Sudeste Asiático e Sul Asiático. Recentemente adquiridas pelo museu, elas são mostradas ao lado de trabalhos que já faziam parte do importante acervo, incluindo artistas como Andy Warhol e Agnes Martin. O interesse do MET Breuer em adquirir arte produzida no mundo em desenvolvimento e exibi-la ao lado de obras europeias e norte-americanas revela a ambição de ter um acervo verdadeiramente internacional e globalizado, que valoriza a diversidade.

A exposição induz reflexão sobre os significados de lar e lugar, seja por necessidade ou por escolha, em um mundo cada vez mais conectado. A arte contemporânea e a arte moderna mais recente não possuem uma única origem, nem se desenvolveram em isolamento. Desde 1940, artistas exploraram novas formas de expressão durante eventos de transformação social, como guerras, injustiças sociais e humanitárias e migrações de massa devido a mudanças climáticas e econômicas. São todas questões que continuam a impactar e ditar a arte em 2020.

Ao reunir as obras por tema, e não por origem, Home Is a Foreign Place mostra paralelos artísticos em vários lugares do mundo e épocas. Ao mesmo tempo, enfatiza o local específico e as circunstâncias históricas dos trabalhos.

Logo na entrada, além das gravuras que dão nome à exposição, há uma bandeira dos Estados Unidos pintada de branco. A obra é do artista americano Jasper Johns, de 1955. Em White Flag, ele apaga a coloração vermelha e azul desse icônico design, criando uma névoa, quase como um fantasma. Ao desafiar o maior símbolo americano, Johns questiona a identidade nacional.

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Wael Shawky, Cabaret Crusades, The Secrets of Karbalaa, 2014. O artista egípcio trata das cruzadas no Egito entre os séculos 11 e 13 (Foto: Brinda Kumar)

Em seguida, Languages of Abstraction mostra como artistas quebraram convenções do passado após eventos tumultuosos, como a Segunda Guerra Mundial, a Partição da Índia em 1947 e a descolonização dos países do Hemisfério Sul. Essa parte da exposição reúne trabalhos de origem asiática e africana. São artistas que viajaram a centros culturais do Ocidente, colaborando com o modernismo, manifestando uma abstração mais complexa. Em paralelo, artistas americanos e europeus encontravam na arte oriental inspiração para a sua arte abstrata.

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Rachel Whiteread, Plaster Table, 1995_6. A artista britânica fez uma escultura com a impressão da parte de baixo de uma longa mesa de jantar. Ao materializar essa área, ela torna tangível o objeto ausente (Foto: divulgação MET Breuer)

Marks and Measures mostra trabalhos do início da década de 1970 que questionam a relação da arte com estrutura, lugar e espaço. O tema é recorrente na arte contemporânea, em obras que focam em arquitetura, paisagem e locais imaginários. Em geral, todas as obras dessa sala investigam a complexidade do conceito de lugar - seu significado cultural e emocional, sua persistência na ausência de ocupação humana.

Mark Bradford, Crack Between the Floorboards, 2014. O artista americano fez uma interpretação abstrata do quadro Les rabouteurs de parquet, de Gustave Caillebottes, de 1875 (Foto: divulgação MET Breuer)

O questionamento continua em Spatial Reiterations. Desafiando os limites da arte, artistas de todo o mundo trabalham com colaborações, repetições, objetos encontrados e materiais não tradicionais. Além de provocar a própria arte, artistas também expõe os problemas da sociedade em que estão inseridos, como sistemas de repressão, midiatização da política, repressão sexual, comoditização da violência e opressão colonial. É o que mostra Politics at Play.

Por fim, Material Migrations resume como a globalização provocou mudanças culturais sem precedentes na história. Fragmentação, migração e mutação, características do período pós-moderno, refletiram na produção artística dos anos 1970 até hoje. As obras mostradas nessa parte da exposição examinam nossa história e a natureza precária dos conceitos de identidade e pertencimento.

Home Is a Foreign Place estaria em cartaz até 21 de junho. No momento, as três unidades no MET estão fechadas para prevenir a proliferação da Covid-19, sem previsão de reabertura. Mas é possível visitar toda a exposição virtualmente em metmuseum.org. Inclusive, todas as exposições do MET estão disponíveis online. Um ótimo site para explorar durante a quarentena.

 

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Foto de destaque: 0 Vista da exposição Home Is a Foreign Place (Foto: divulgação MET Breuer)

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