Arquitetura x Mercado – Qualidade de vida
Uma aposta certeira
Viver nas cidades brasileiras não é tarefa das mais fáceis. Viver com qualidade, então, ainda é para poucos. Na contramão de um pasteurizado mercado imobiliário que por décadas se baseou na manutenção do mais do mesmo – o horroroso estilo neoclássico –, desde meados dos anos 2000 algumas construtoras passaram a apostar na excelente arquitetura contemporânea da qual o Brasil dispõe. Grandes nomes da arquitetura passaram a figurar frequentemente nos lançamentos dessas novas empresas, que trouxeram a esperança de tempos menos sombrios.
Fundada em 2005, a paulistana Idea!Zarvos foi pioneira no resgate da boa arquitetura residencial vertical como elemento transformador da cidade. Algo que não se via desde os anos 1950, 1960 e 1970, quando edifícios desse porte ainda podiam ser projetados por nomes como Vilanova Artigas, Rino Levi, Oscar Niemeyer e Franz Hepp. Sob o aceite do mercado em receber o diferencial da arquitetura autoral, diversas outras construtoras apareceram pelo país com a mesma aposta: uma arquitetura mais gentil, que dialoga com o entorno e que se preocupa em ceder espaços públicos em suas áreas privadas. Destaco a Huma Incorporadora, também na cidade de São Paulo, e a gaúcha Smart, entre outras surgidas no final dos anos 2000 e início dos 2010.
Em comum, esses novos empreendimentos têm na arquitetura o principal elemento de valorização dos imóveis. Neles, o trabalho de nomes como Una Arquitetos, Andrade Morettin, Isay Weinfeld, Triptyque, FGMF e Studio Prudêncio é tratado com zelo, uma troca real de ideias que acaba por encontrar o equilíbrio entre a viabilidade econômica – e, obviamente, inclui-se aí o lucro dessas empresas – e o bem estar não só dos moradores, como das comunidades em seus entornos. Há, por exemplo, iniciativas que são repetidas em diversas obras recentes, como praças e bancos semipúblicos, permeabilidade visual, pequenos comércios, aberturas nos pavimentos térreos, interação entre moradores – com todos os limites de privacidade respeitados –, plasticidade provocativa e uso de materiais que ora fazem referência às histórias locais, ora trazem um presente à cidade, com cromatismos, fachadas ativas e obras de arte visíveis aos transeuntes. Menos muros, mais amor.
A eliminação de filtros entre a cidade e o edifício é dos princípios mais profundos da arquitetura, algo que, finalmente, na última década, parece ter aflorado perante o business, com a clara percepção de que as pessoas valorizam, sim, essa interlocução – apenas passaram por quase três décadas sem a disponibilidade desse tipo de oferta. A crença de que o entorno é uma extensão dos lares é, sem dúvida, a forma mais eficaz de a arquitetura produzir gentilezas urbanas nesta e nas próximas gerações. Pequenos atos, como um banco público em terreno privado, possuem esse poder de transformação.
[…] espaço, em colunas anteriores, algumas inovações, seja em produtos, pensamento ou gestão. As gentilezas urbanas, abordadas aqui, chegam para ficar. Dificilmente um bom projeto arquitetônico sai do papel hoje sem oferecer algo […]