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Por uma arquitetura sem muros

Ilustração: Anderson Miguel

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No que tange às construções, o Modernismo no Brasil começa oficialmente na década de 1920 quando, ainda no processo digestivo da antropofágica Semana de 22, Gregori Warchavchik regurgitou sua Casa da Rua Santa Cruz, em SP – a primeira residência moderna da América Latina. 150 anos antes, com Tebas (Joaquim Pinto de Oliveira) – sim, o primeiro arquiteto nacional foi um escravizado – os colonizadores europeus já se valiam de saberes e técnicas ancestrais dos africanos, que disseminaram nas Américas seus conhecimentos milenares sobre o manuseio de pedras e metais. Assim fica evidente que quando Niemeyer, um dos precursores do concreto armado, erigiu o improvável em marcos que seriam modernos para sempre, ele estava olhando para muito além da sinuosidade lecorbusiana – o mestre mirou sistemas vernaculares “herdados” das etnias inaugurais, civilizações que tiveram suas trajetórias interrompidas e apagadas.

De volta ao presente, Empatia e Lugar de Fala são “logradouros” equidistantes entre si. O Privilégio e a Falta de Equidade, também. Mas em 2020, ano da orquestração do inverossímil e do flerte com o Apocalipse, nenhum oposto se confundiu tanto quanto Consciência e Demagogia. Filtrar é preciso. Uma das principais bandeiras do nosso trabalho, como jornalistas brancos dentro de uma redação que prega a diversidade, é o antirracismo, para muito além de estampar uma celebridade negra na capa da revista de vez em quando – recentemente fomos premiados por trabalhos realizados com as divas Elza Soares e Iza, por exemplo. Mas para além de qualquer apelo midiático que o momento possa insinuar como oportunismo, o posicionamento precisa acontecer de dentro para fora, cotidianamente – e não me refiro a trabalhar ouvindo Aretha Franklin e Marvin Gaye e achar que isso é pluralidade. Os projetos gráficos mais expressivos que lançamos nos últimos 10 anos para o circuito do Design & Lifestyle, quase que invariavelmente, foram encabeçados por profissionais negros – o diretor de arte José Renato Maia, criador das identidades visuais de POP-SE e Decornautas, a editora-chefe Ana Paula de Assis, e a produtora-executiva Adriana Oliveira. Mesmo com esse entendimento sobre o racismo estrutural e com lições diárias aprendidas com profissionais que estão entre os mais brilhantes na nossa área, raríssimas vezes conseguimos prestigiar arquitetos negros em nossos veículos, dada a invisibilidade que o mercado insiste em lhes imbuir (status em parte desencadeado pela enorme dificuldade de penetração em mais um campo elitizado). Que bom observar que, pela primeira vez, começamos a vislumbrar uma abertura real no meio de tanto lobby. Nos últimos 10 meses, em parceria com a mesma Ana Paula, que também é uma das articuladoras do novo projeto “Fala das Pretas” (ao lado de Lilian Santos e Paula Marinho), mapeamos 100 arquitetos talentosíssimos que relatam obstáculos/desvantagens/discriminações/retaliações estratosféricas. “Precisamos criar um manifesto arquitetônico e social do nosso tempo, considerando nossas dores e nossas questões”, diz a fluminense Larissa Paiva. “Como arquiteta, nordestina e negra, precisei estudar o dobro, demonstrar qualidade em dobro e me impor em dobro”, conta a maranhense Bianca Tereza. Onde estão todos eles? Dando um show de competência e resistência, bem aqui, debaixo dos nossos narizes. Mas a gente não enxerga. Nos habituamos à normatização da exclusão, às vistas grossas com a apropriação cultural (a arquitetura, afinal, muito mais do que a moda, toma partido da produção étnica numa diluição muitas vezes descontextualizada e predatória de símbolos chamados “exóticos” em abordagens gilbertofreyrianas, mesmo antes do Niemeyer que abre nosso textão). Se a culpa é desse sistema, é nossa também, já que somos engrenagens dele. Mais do que uma série, essa percepção sobre as conexões entre Arquitetura e Racismo é uma nova atitude. É a obrigação legítima da inclusão.

Visibilidade aos talentos negros já!

Ilustração: Anderson Miguel

Por Allex Colontonio e André Rodrigues

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