Arquitetura é para todos?
No Brasil em que a maioria da população acredita que arquitetura é exclusividade para os mais abastados, não atingimos ainda um nível desejável de democratização da disciplina. Apesar de 70% da população declarar que contrataria um arquiteto para construir ou reformar, apenas 7% já o fez. Boa parte dos brasileiros sequer sabe as reais atribuições de um arquiteto e urbanista.
Entre os que já contrataram um profissional, 80% consideram-se satisfeitos e indicariam a contratação para amigos. Já a maior parte daqueles que reformaram ou construíram sem projeto arquitetônico, com serviços diretos de pedreiros ou mestres de obras, arrependeram-se.
Esses números, provenientes de pesquisas realizadas pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), reforçam a ideia de que nosso país ainda se encontra distante do slogan: Arquitetura, até o momento, não é para todos.
O CAU/BR, nesse sentido, vem imprimindo um esforço hercúleo para virar esse jogo, e alguns exemplos pontuais podem servir de exemplo na esfera privada. No intuito de estimular a produção de arquitetura social no Brasil, desde 2017 o Conselho e seus regionais destinam 2% de seus orçamentos anuais para a chamada Assistência Técnica em Habitações de Interesse Social (ATHIS). Na prática, esses recursos permitem a criação de programas para melhoria na qualidade de vida das famílias com renda inferior a três salários mínimos. Para estimular esse debate, diversas ações vêm sendo divulgadas no endereço eletrônico do CAU/BR, em campanha para que arquitetos de todo o país contem suas histórias sobre realizações na área. A cada semana, uma nova história é publicada.
Entre elas, está o Laboratório de Projetos, na cidade de Goiás (GO). O projeto, com apoio da prefeitura local, envolveu metodologias participativas para reformar residências de famílias carentes. Na experiência, os moradores fotografam as casas e indicam suas necessidades, para posterior reunião com equipe de arquitetos que fazem os projetos e acompanhamento da obra.
Além dos programas do CAU, existem outros bons exemplos de ações em arquitetura social. Em Brasília, o Programa de Assistência Técnica da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (CODHAB) criou o Projeto Transversais, com adesão de 20 escritórios de arquitetura que cederam projetos de melhorias habitacionais na periferia da capital brasileira. Na capital baiana, desde 2001 funciona o Escritório Público de Salvador, que já entregou mais de 5 mil projetos destinados a famílias de baixa renda, em parceria com faculdades locais de arquitetura. Trata-se de um ateliê-escola, com estudantes supervisionados por arquitetos da prefeitura e assistentes sociais. Além do benefício às famílias, gera crescimento profissional aos jovens participantes.
No âmbito privado, exemplos recentes de arquitetura economicamente acessível também são dignos de registro. Movido por essa lacuna, o arquiteto Márcio Barreto vislumbrou uma oportunidade e assim formatou o plano estratégico de seu escritório. Criou um programa de consultoria para reformas, a preço popular. Em uma visita de duas horas, o profissional entende o partido, tira medidas e cria um modelo 3D. Caso o cliente opte por receber o projeto executivo e acompanhamento da obra, Barreto faz uma análise de orçamento viável.
Outro caso exemplar recebeu destaque recentemente na grande mídia nacional. Além dos veículos especializados, a Casa da Vila Matilde, do escritório Terra e Tuma, virou uma espécie de garota propaganda de arquitetura social. Com sua residência prestes a ruir, uma diarista idosa relutou mas acabou por ouvir o conselho de seu filho e investiu suas economias em um projeto arquitetônico completo. O resultado é um oásis em meio às ruas do bairro, uma residência com projeto eficiente e econômico.
Menos conhecida, a Casa Calha, em Guaíba (RS), projeto do escritório naE: Núcleo de Arquitetura Experimental, foi concebida sob as regras do programa Minha Casa, Minha Vida. Um projeto a preço popular, porém funcional, esteticamente atraente e com grande qualidade arquitetônica.
De forma tímida, mas anos-luz à frente do cenário de uma década atrás, o conceito de arquitetura pelo bem-estar social é um caminho auspicioso a seguir. Em ano de eleições, vale buscar candidatos que tenham esse objetivo entre suas propostas. Acredite, eles existem.