Na rotina de um arquiteto, é comum fazer projetos que sigam um padrão: formatos quadrados ou retangulares, ângulos e paredes retas, janelas e aberturas para luz em lugares predefinidos. Casas, lojas, shoppings, condomínios, escolas e prisões acabam tendo basicamente o mesmo design.
Quando um arquiteto tem mais liberdade para fazer um projeto conceitual — e clientes que embarcam nessa inovação —, é possível criar um ambiente único, pensado exatamente para essa demanda específica.
Nesses momentos de inovação é que aparecem conceitos como a arquitetura antroposófica. As construções orgânicas, como também são chamadas, provocam sensações diferentes nas pessoas que as visitam. As obras privilegiam o espaço ao redor, se adaptando a ele e gerando um diálogo com a paisagem, seja ela natural ou urbana.
A antroposofia é uma corrente filosófica muito extensa e, aqui, vamos abordar somente a sua influência na arquitetura. Interessou-se por essa possibilidade de criar um contexto mais humano e focado na experiência das pessoas? Continue lendo!
O conceito de antroposofia aplicado à arquitetura
A arquitetura é uma das molduras para a nossa vida. Ela rege várias das atividades do nosso dia a dia e a forma como estabelecemos contato com o mundo, e pode ser mais ou menos inclusiva e acessível. A antroposofia é um jeito de pensar a arquitetura que privilegia e recupera a humanidade nas pessoas e procura satisfazer a nossa carência estética.
Antroposofia é um método de conhecimento que permite atingir um nível mais profundo de consciência, seja conhecendo a si mesmo e o universo ou mudando a forma de participar do contexto social. O conceito pode ser aplicado a diversas áreas, como pedagogia, medicina, agricultura e psicologia, mas sempre com foco nas pessoas e em agir de maneira mais humana.
A arquitetura antroposófica propõe uma releitura das construções para que elas possam saciar a necessidade que todos temos de interagir artisticamente com o mundo. Em vez de criar um ambiente reto, liso e regular, os prédios feitos com base nessa filosofia são assimétricos, cheios de espaços únicos e inspirados em formas naturais que sofrem metamorfoses com o tempo.
A criação de locais com essas características não se restringe a fazer edificações com formas orgânicas, mas considerar que os visitantes precisam, em certa medida, interagir com o prédio e com o seu entorno.
Os projetos são desenvolvidos para que cada construção estabeleça um diálogo com os elementos que a cercam. E esse entorno pode ser tanto a natureza, considerando as condições de clima e relevo, quanto a cidade, prestando atenção para não interferir negativamente no espaço ao redor.
A arquitetura antroposófica é também muito ligada às artes plásticas por contemplar esse desejo estético que, segundo a corrente filosófica, aparece como necessidade fundamental em todas as pessoas. É comum também privilegiar formas orgânicas, inspiradas em plantas e animais que durante séculos se adaptam ao ambiente em que vivem e, por isso, têm um "design" altamente eficiente.
Uma das características principais da arquitetura antroposófica é a preferência por ângulos que não sejam retos, já que eles quase não aparecem na natureza. Isso acaba levando à produção de uma obra mais parecida com uma escultura do que com um prédio vertical e retangular.
As construções têm composições rítmicas e variáveis que podem apresentar diferentes formas, cores, volumes, entradas de luz e locais destinados a diversas atividades. Muitas vezes, essas obras são chamadas de "dialógicas", porque permitem aos usuários interações intensas com o espaço e estímulos incomuns que aguçam os sentidos e nos fazem mais presentes no momento.
Os edifícios têm volumes diferenciados, já que contam com um design mais espontâneo. Não precisam seguir um padrão de construção predefinido e, por isso, assumem formas dinâmicas, de acordo com a criatividade de cada arquiteto e as oportunidades ou desafios que o espaço oferece.
As relações do ser humano com o espaço à volta
Vivemos inseridos em determinados contextos, por isso construímos ligações afetivas — que podem ser boas ou ruins — com os ambientes à volta. Tornar essa relação o mais agradável possível depende de um planejamento adequado e da boa execução das ideias.
Muitas dessas experiências vêm com a vivência que temos no cotidiano: longe, perto, aberto, fechado, dentro, fora. Essas conexões com o espaço ajudam a entendê-lo e senti-lo, moldando as experiências que cada pessoa adquire ao longo da vida.
As cores, revestimentos e soluções de decoração colaboram com essa experiência amigável. Mas o foco da arquitetura antroposófica é apostar em formas orgânicas, dialógicas e esteticamente interessantes, aguçando os sentidos de quem está ali.
É importante pensar os espaços não só em aspectos formais — dimensões, volume, cores, entradas de ar e luz — mas também em como eles contribuem para estimular lembranças, criar laços e provocar sensações. A construção de um local assim começa no projeto estrutural e vai até a escolha dos acabamentos e da decoração.
Certos materiais são mais aconchegantes e convidam ao toque, enquanto outros são duros e práticos. Um ambiente antroposófico busca humanizar os espaços, por isso mesmo investe em decoração com elementos que podem trazer memórias afetivas e fazer com que as pessoas se sintam em casa. Tudo ajuda a gerar conforto e despertar os sentidos, desde a disposição dos móveis até as texturas e tonalidades.
Os benefícios da arquitetura antroposófica para o indivíduo
As pessoas agem de maneiras diferentes em cada lugar. Por isso, um espaço onde é possível estimular a criatividade e a presença no momento pode causar um impacto bastante positivo no dia a dia.
Experiências em escolas e escritórios já mostraram como um ambiente pensado para acolher, com móveis e decoração escolhidos cuidadosamente, pode provocar bons resultados na convivência entre os indivíduos.
A incorporação de elementos orgânicos e o princípio de metamorfose no projeto
Arquitetura antroposófica é também conhecida como arquitetura orgânica, por causa da ênfase que dá aos aspectos naturais.
Esse estilo tem por princípio utilizar formas orgânicas, com movimento, não apenas paredes retas e ângulos de 90 graus. Os traços do projeto simulam estruturas de organismos vivos como plantas e animais, que sofrem metamorfose, se desenvolvem e se adaptam.
É comum também que esses projetos estabeleçam um diálogo com o seu entorno, sem prejudicar o que já existia lá antes de a construção ser erguida. Essa comunicação se dá quando o prédio se ajusta ao terreno sem precisar modificá-lo, ou quando está em harmonia com a posição do sol, permitindo tirar o máximo da sua luz e energia.
Além disso, a sensação de claustrofobia diminui e o cansaço é menor quando há abertura para a luz natural e contato com a natureza.
A utilização de características das artes plásticas
A arquitetura antroposófica visa a integração com diferentes manifestações artísticas. De acordo com seu fundador, Rudolf Steiner, a arquitetura é a mãe de todas as outras artes porque, sem ela, não existiriam os lugares onde a arte acontece — como museus, teatros e ateliês.
Para ele é importante que outros artistas, como escultores, pintores e designers, se unam para a construção de um espaço artístico e funcional. Algumas das obras mais interessantes são feitas em parceria com profissionais que não são arquitetos. Assim, o resultado desperta a apreciação estética dos visitantes.
Quatro projetos pelo mundo que incorporam essa ideia
1. Goetheanum, em Dornach
O projeto mais famoso e expoente da arquitetura antroposófica é o Goetheanum, na cidade de Dornach. Desenhada por Rudolf Steiner, a obra colocou em prática as teorias dele em relação à arquitetura e foi inteiramente feita em madeira, com duas grandes cúpulas, e decorada com diversas pinturas. Seu nome é uma homenagem ao escritor Johann Wolfgang von Goethe, profundamente estudado por Steiner.
Em 1922, o prédio foi destruído em um incêndio criminoso.
2. Segundo Goetheanum, em Dornach
Seis anos depois do incêndio, o prédio foi reerguido usando concreto e recebeu o nome de Segundo Goetheanum. O edifício funciona como sede da Sociedade Antroposófica na Suíça e conta com teatros, bibliotecas, áreas de exposição e livraria. A construção foi desenvolvida em parceria com escultores e pintores, tornando-se uma grande obra de arte.
3. Casa da Cascata, na Pensilvânia
Também chamada de casa Kaufmann, era a residência de veraneio dessa família e hoje funciona como um museu. Ela foi construída em 1936 e integra vários aspectos naturais ao seu design.
As pedras usadas foram extraídas do próprio local e, por isso, a edificação se assemelha às formações rochosas presentes na região. O riacho passa pela casa e seu barulho pode ser ouvido em todos os cômodos. O projeto foi feito com o objetivo de conectar o imóvel aos elementos naturais, criando um clima relaxante para a família.
4. Shell Residence, Nagao
O projeto, concluído em 2008, fica na floresta de Karuizawa, no Japão. Elaborada por Kotaro Ide, a casa tem o formato de duas elipses que lembram conchas, por isso o nome Shell Residence. Suas formas orgânicas parecem sutis no meio da floresta e reforçam que o cimento pode sim harmonizar com o meio ambiente.
Devido ao aspecto arredondado do imóvel, os moradores ficam protegidos das intempéries ao mesmo tempo em que desfrutam do que a natureza tem para oferecer.
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