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Álvaro Siza encerra DOCs UNLTD internacional

retrato de Álvaro Siza

“A vida sem trabalho é um horror” (Foto: Fátima Campos Ferreira)

A websérie documental da Portobello, DOCs UNLTD, apresenta seu último episódio da temporada internacional com a participação do arquiteto Álvaro Siza. A entrevista foi concedida ao jornalista Pedro Andrade, que foi até Porto, em Portugal, para essa conversa.

https://www.youtube.com/watch?v=hrMZ1z6JVA4

Nascido em 1933, Álvaro Siza queria ser escultor, mas, por respeito ao pai, que considerava a vida dos artistas boêmia demais para o filho, foi estudar arquitetura na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Siza tinha planos de começar pela arquitetura, que se mostrava um caminho mais respeitável, e migrar para a escultura, porém foi surpreendido por mestres e colegas interessados na modernidade, o que foi suficiente para mantê-lo envolvido com o curso. “Peguei a Escola em um momento muito bom. Tinha gente interessada na modernidade, isso era nos anos 40, quando tudo era muito conservador”, conta o arquiteto.

Casa projetada pelo arquiteto
Projeto Casa Toló, de 1999, em Ribeira de Pena cidade de Portugal (Foto: Reprodução alvaroleitesiza.com)

Um talento para o mundo

Essa decisão fez com que o mundo ganhasse um profissional com um olhar diferenciado sobre o papel da arquitetura para a sociedade. Entre os projetos que Álvaro Siza já participou, estão obras de pequena escala, mas também conjuntos habitacionais, teatros, museus, praças, piscinas, complexos esportivos e dezenas de edificações espalhadas pelo mundo, incluindo o Brasil.

“Sou de uma geração que interiorizou que a arquitetura é um serviço social antes de mais nada. A qualidade faz parte disso, não é só o que é material. O sucesso da arquitetura moderna leva em conta aspectos como o conforto, participação na vida da cidade e a igualdade. Arquitetura é isso tudo”, afirma.

Arquitetura é contexto social

Siza defende que arquitetura não é luxo, pelo contrário. Quando um projeto vai ser elaborado, ele deve ser feito com qualidade e sem perder de vista a funcionalidade do que está sendo desenhado. “Os programas mudam com o tempo, é preciso respeitar as necessidades do projeto e incluir uma capacidade de abertura no uso daquele prédio, que pode acontecer com o passar dos séculos”. Para reforçar essa tese, o arquiteto cita como exemplo os conventos. Eles são projetados para uma comunidade muito especial, afinal é moradia, escola, local de estudos de figuras religiosas, mas com o tempo podem passar a ter outra funcionalidade.

Maquete
Complexo Urbanístico e Residencial na Maia, de 2000 (Foto: Reprodução alvaroleitesiza.com)

Referências vêm do que pode ser armazenado na memória

Quando o jornalista Pedro Andrade questiona Siza sobre ser uma referência, o renomado arquiteto lembra que o profissional criativo tem como fonte de inspiração o que vivenciou. “A formação de um arquiteto vem da quantidade de informação que ele carrega, das viagens e por onde ele anda. Com o tempo a gente vai carregando a mente e as influências são orgânicas. Nunca pensei em outros projetos quando estava desenhando, é natural e referente ao que precisa ser feito”, detalha.  

Álvaro Siza sendo condecorado em 1992
Ganhador do Prêmio Pritzker em 1992 (Foto: Reprodução pritzkerprize.com)

Relação com os prêmios

Álvaro Siza faz parte de um seleto e exclusivo grupo de profissionais que ganhou o Prêmio Pritzker, considerado o Prêmio Nobel de Arquitetura. A homenagem é uma das maiores honrarias que podem ser recebidas em vida, concedida aos arquitetos que demonstraram uma combinação entre talento, visão e compromisso, e que produziram contribuições consistentes e significativas para a humanidade e o ambiente construído por meio da arquitetura.

Além deste prêmio principal, Siza já ganhou outras condecorações ao longo da carreira. Para ele, ser vencedor de um prêmio é algo relevante, mas não é uma meta para perseguir. “Os prêmios são coisas que podem acontecer ou podem não acontecer. Eu não espero nada. Depende do júri que avalia, das várias tendências na arquitetura, depende também dos aspectos políticos. Então, ganhar um prêmio é muito gostoso, mas fica por aí, não muda nada”, reflete o arquiteto, que tem obras em países da Europa, na China e nos Estados Unidos. 

Obras marcantes são as que deram certo

Aos 89 anos, Álvaro Siza já projetou centenas de obras. Quando Pedro Andrade o questionou sobre as preferidas, ele diz que classifica suas criações em dois grupos: as que correm bem e as que correm mal. “Há obras que correm bem nas relações com os promotores, com as entidades que analisam os projetos, com empreiteiros e que deixam uma boa recordação. E outras, eu diria a maioria, correm mal. Em ambas há muitos obstáculos e é só essa a diferença. Fora isso, tudo que fiz me interessou e eu aprendi, sendo uma casinha ou um museu”, define.

projeto 3d
Projeto participante do Concurso para o Museu do Guggenheim de Helsínquia, em 2014 (Foto: Reprodução alvaroleitesiza.com)

Humildade dos mestres

Encaminhando a conversa para o fim, Pedro perguntou para Álvaro sobre a faceta do arquiteto que ensina. “Muita gente se inspira no seu trabalho, já deu aula no mundo inteiro. O que você gostaria de ensinar que não te ensinaram?”, indagou o jornalista.

“Nunca senti que não me ensinaram algo, o que senti em determinado momento foi ‘preciso aprender isso ou aquilo’. Uma coisa que um arquiteto em geral se debate é com muitos tipos de edifício que tem que projetar. O trabalho hoje é interdisciplinar. Não é mais apenas uma troca de relações, mas uma obra de arquitetura é a combinação das diferentes coisas que convergem para a construção. Portanto, para não ser o caos, a gente vai aprendendo”, divide o mestre com a simplicidade de quem continua buscando informação.

E ele completa: “Numa cidade, a gente tem a grande escala e a pequena escala. Tem o edifício público, a casinha, o conjunto habitacional. Está tudo junto. Quem nunca fez uma casinha, dificilmente fará um grande edifício. Eles estão juntos na cidade, a cidade é toda essa a relação”, explica.

E o futuro?

A poucos anos de completar seu centenário, Álvaro Siza se mantém na ativa, mas confessa que os convites que chegam têm uma mesma característica: “Neste momento estou preocupado, só me entregam museus. Eu acho que já fiz dez ou doze museus. Na China foram cinco, e estão em ótimas condições”.

Contudo, um projeto recente o surpreendeu. Ele foi convidado para projetar um prédio nos Estados Unidos. “De uma forma muito diferente e boa e que deixou boas recordações, foi Nova York. Uma torre, uma coisa inesperada. Não me passava pela cabeça que com 80 anos seria chamado para fazer um projeto em Nova York”, conta.

O sucesso e a carreira bem sucedidas poderiam ter estimulado o arquiteto a parar de trabalhar, mas ele é categórico em afirmar: “Sou arquiteto, estou sendo útil. Se não trabalhasse, eu adoeceria. Iria definhando mentalmente, mais do que já definho trabalhando. A vida sem trabalho é um horror”, finaliza.
Para conferir todos os detalhes dessa conversa com “o grande maestro”, assista ao episódio do DOCs UNLTD - Álvaro Siza no Youtube.

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