Tive o privilégio de conhecer a ceramista Gwyn Hanssen Piggot no início dos anos 90, em Paris, durante uma palestra de Prem Rawat – um dos indicados ao Prêmio Nobel da Paz –, um orador e mestre no tema da “paz interior”. Gwyn era dona de uma personalidade muito viva e energética, e com a simpatia da inteligência.
Nossa empatia foi instantânea, principalmente por uma paixão que tínhamos em comum: a cerâmica. Logo ficamos amigas e, durante duas semanas, viajamos juntas pela Europa, seguindo o palestrante e visitando museus e galerias especializadas.
Naquela época, Gwyn tinha sua própria oficina de cerâmica no isolamento de Netherdale, perto de Mackay, na Austrália. Ela sempre me falava com muita paixão de histórias lindas, as muitas cidades em que viveu, os muitos artistas oleiros com quem havia trabalhado e aprendido a arte milenar. Eu percebia em Gwyn uma sensibilidade delicada, mas, até aquele momento, não fazia ideia da imensidão de seu talento. No ano seguinte ao nosso encontro, ela veio me visitar no Brasil e trouxe com ela uma chaleira e duas xícaras de chá.
Lembro como se fosse hoje a imensa surpresa que senti quando recebi o presente feito por ela – e cuidadosamente embalado com uma técnica japonesa. Os potes de porcelana translúcidos em celadon revelavam uma ceramista primorosa e, como descobri mais tarde, uma artista excepcional.
Gwyn Hanssen Pigott (1935- 2013) morreu aos 78 anos de idade. Ela foi a ceramista mais famosa da Austrália. Por ter aprendido muito de seu ofício na Inglaterra – e treinado com algumas das figuras mais conhecidas daquele país, como Ray Finch, Alan Caiger-Smith, Bernard Leach e Michael Cardew –, também foi considerada uma importante artista britânica. Ela montou seu primeiro estúdio em Londres.
Nascida em Ballarat, Victoria, ela descobriu a beleza dos vasos orientais na National Gallery de Victoria, enquanto estudante de Belas Artes da Universidade de Melbourne.
Gwyn criou uma nova linguagem para a cerâmica por meio de seus famosos grupos de potes de still life de tigelas, garrafas e copos, exibidos em arranjos cuidadosamente orquestrados, com configurações espacialmente matizadas.
Eram obras de arte escultural, mas usavam a linguagem mais básica das formas dos objetos do cotidiano. Suas raízes, como uma criadora de produtos utilitários, eram muito inspiradas nas aulas que teve com seu primeiro professor, o pioneiro Ivan McMeekin (1919-1993), natural de Melbourne, que se interessava muito pela olaria chinesa. McMeeking viveu na China, Inglaterra e foi para a Nigéria, onde desenvolveu um centro de treinamento de cerâmica em Abuja, para investigar argilas locais e materiais esmaltados. Considerado um líder no movimento de cerâmica do pós-guerra na Austrália, apresentou à Gwyn – sua primeira assistente – as qualidades únicas dos materiais locais.
Quando mudou-se para a Inglaterra, em 1958, Gywn teve a oportunidade de desenvolver relações de trabalho e amizades com alguns dos ceramistas mais importantes do mundo, como Alan Caiger-Smith, Dame Lucie Rie e Katharine Pleydell-Bouviere, além de Mick Casson.
Depois de recebê-la em minha casa, em São Paulo, nos encontramos muitas vezes pelo mundo, e um dia perguntei a ela de onde vinha sua inspiração. E aí eu descobri mais uma paixão em comum: o artista Giorgio Morandi.
Ela contou-me sobre uma retrospectiva do artista que teve o prazer de ver. Eu tive o privilégio de assistir à mesma retrospectiva na Tate Modern, em Londres, muitos anos mais tarde.
Sua admiração por Morandi foi um catalisador particular. Gwyn apreciava a capacidade do artista de transformar objetos comuns em algo poético. E filosofava a cerca dos espaços que ele criava entre as figuras, e a maneira como ele compreendia a essência daquilo que desenhava.
O impacto foi tão grande, que ela começou a criar influenciada por Morandi. Suas primeiras garrafas nasceram dessa relação e ela começou a fazer novas peças – sempre muito singelas – e combiná-las entre si, ressaltando o vazio entre elas. Naquela época Gwyn começou a trabalhar com porcelanas cada vez mais translúcidas, buscando sempre trazer mais a luz para o utensílio. “A luz traz a alegria para minhas cerâmicas”, dizia ela.
Sua reputação internacional cresceu e se consolidou graças a viagens e aulas ministradas em universidades, além de exposições individuais em países como Grã-Bretanha, Austrália, EUA, Alemanha, Canadá, Suíça, Japão e Itália.
Em Londres, ela se apresentou na Galerie Besson, Tate St Ives e, finalmente, em Erskine, Hall & Coe. Em 2002, pouco depois de se mudar para seu último estúdio, em Ipswich, Queensland, recebeu a medalha da Ordem da Austrália e, após sua morte, ganhou uma retrospectiva na National Gallery of Victoria, onde, 50 anos antes, ela se apaixonou pela primeira vez pelo ofício.
Gwyn Hanssen Pigott foi uma figura central na história da cerâmica contemporânea no século 20 e manteve uma presença notável no movimento ceramista do século 21. Ninguém esteve mais envolvido com o idioma da argila e seu mundo visual mais amplo. Gwyn morreu em Londres, em julho de 2013.
Serviço:
Gwyn Hanssen Pigott fez sua graduação em Artes, especializando-se em artes plásticas e literatura inglesa, na Universidade de Melbourne, no início da década de 1950. A partir de 2000 a ceramista seguiu expondo em galerias e museus internacionais, incluindo Galerie Besson, Erskine e Hall & Coe, em Londres; Tate St Ives, Reino Unido; Garth Clark, Nova York; The Scottish Gallery, Edimburgo; Rex Irwin Art Dealer, Sydney; Philip Bacon Galleries, Brisbane; Christine Abrahams Gallery, Melbourne – além de ter sido tema de uma grande retrospectiva na Galeria Nacional de Victoria. Seu trabalho pode ser visto ainda nas coleções públicas do Victoria and Albert Museum, em Londres, do Museu de Arte do Condado de Los Angeles, EUA, e da Galeria Nacional da Austrália, em Canberra.