Andy Warhol, um dos artistas mais influentes do século 20, dizia que "o objetivo não é viver para sempre mas, sim, criar algo que viva".
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A frase pode ser interpretada de várias formas, mas, se aplicada ao mundo da arte, é fácil associá-la a profissionais determinados a mudar o planeta com suas obras megalomaníacas.
Desde que o mundo é mundo, o ser humano sente a necessidade de desenhar na pedra, esculpir totens, homenagear deuses, presentear entidades, construir pirâmides e deixar sua marca para gerações futuras.
Costumo dizer que nada na vida é mais valioso que o tempo. Dinheiro vem e vai, fama é algo absolutamente volátil, mas a forma como a gente usa nosso precioso tempo determina a vida que a gente vai levar. Por essas e por outras, é impossível separar o período gasto para criar uma obra do valor que ela terá.
Rodin passou 37 anos esculpindo a Porta do Inferno; Nicola Salvi dedicou 29 anos à Fontana di Trevi; Bernini passou décadas trabalhando na Piazza San Pietro; Gutzon Borglum levou 14 anos talhando os rostos presidenciais do Mount Rushmore; Donald Judd investiu tudo em suas instalações em Marfa; Christo e Jeanne-Claude viraram uma referência no universo de estruturas ambiciosas e, reza a lenda, seis séculos se passaram até a finalização da Duomo Milano.
Alguns dias atrás, como em um passe de mágica, uma construção de quase três quilômetros de extensão surgiu no deserto do estado do Nevada. Apesar de pouca gente ter acompanhado a execução do projeto, o artista contemporâneo Michael Heizer deu início à construção em 1972. Hoje, aos 77 anos, ele se diz satisfeito com o resultado.
Filho de um arqueólogo respeitado, Heizer alega que suas memórias mais marcantes até hoje foram ao lado do pai em suas expedições. As pirâmides do Egito, as ruínas do México e resquícios dos Impérios Maia e Inca na Colômbia e no Peru viraram o mundo dele de ponta-cabeça. Durante a adolescência, pensava que seria historiador, mas se deu conta de que não tinha nascido para ensinar sobre o passado mas, sim, para construir algo no presente que pudesse ter algum impacto no futuro.
Mesmo tendo estudado arte em Nova York e já ser visto como um nome promissor no universo da arte americana, ele decidiu seguir os passos de outros profissionais da área como James Turrel, Donald Judd e Robert Smithson. Para ele, era muito claro que limitar seus horizontes às quatro paredes de uma galeria não era uma opção. Aos 27 anos de idade comprou um terreno no meio do deserto e se mudou para um trailer nos arredores da região. O endereço é tão distante de tudo que, por anos, foi protegido por uma base da Força Aérea americana e por décadas foi também um local de teste de bombas.
A construção megalomaníaca batizada sarcasticamente de The City (A Cidade) começou no papel, passou por um longo período de busca de investidores e as primeiras peças só foram produzidas à sombra da Guerra do Vietnã. Por mais bem sucedido que ele fosse, não é fácil arrecadar dinheiro para uma empreitada ambiciosa localizada a mais de um hora de qualquer rua pavimentada, num lugar sem sinal de telefone, hotéis ou internet (algo que não existia naquela época mas hoje faz toda a diferença). Mesmo gastando 40 milhões de dólares ao longo dessas décadas, muito do trabalho foi feito por ele sem a ajuda de ninguém. O custo não foi só financeiro; sua saúde física e mental passaram por dificuldades inimagináveis. Além de muitos ossos quebrados, problemas ortopédicos, danos irreparáveis à coluna, ataques de pânico e sequelas respiratórias, o artista chegou a uma tentativa de suicídio no meio do processo.
A loucura não acaba por aqui. Após a finalização do projeto, Heizer alega que não pretende permitir a entrada de mais de seis pessoas por vez. A entrada custa 150 dólares, mas a lista de espera é interminável. O isolamento fez com que o artista desenvolvesse uma verdadeira fobia a multidões. Na cabeça dele, The City não é necessariamente um parque de diversões, mas seu presente para as próximas gerações.
Após a inauguração do projeto, que para sempre estará tatuado em seu legado, ele mudou-se de volta para uma casa modesta ao norte de Nova York e prometeu nunca mais colocar os pés na própria criação. Segundo ele, "a gente cria os filhos para o mundo”.